"Nós não estamos a vender e não estamos à venda". Empregados da Empresa Pública de Electricidade coordenados mostrando um banner gigante em frente ao Ministério das Finanças em Atenas, Grécia

Papandreou luta contra a sua esquerda

Incluído no pacote de medidas de austeridade votado em junho, o primeiro ministro grego tenciona vender ativos públicos como, por exemplo, a companhia nacional de electricidade. Sintomático do estado de profunda confusão entre as várias forças do país, enfrenta a hostilidade de um sindicato que o seu próprio partido ajudou a criar.

Publicado em 19 Julho 2011 às 13:48
"Nós não estamos a vender e não estamos à venda". Empregados da Empresa Pública de Electricidade coordenados mostrando um banner gigante em frente ao Ministério das Finanças em Atenas, Grécia

Sentado no gabinete, numa destas manhãs, por baixo das fotografias de Marx, Lenine e Che Guevara, Nikos Fotopoulos, líder do maior sindicato da Grécia, tirou um folheto acabado de imprimir de um monte deles. “Preparados para novas batalhas”, lia-se nele.

“E estamos”, disse Nikos Fotopoulos, que bebeu uma bebida energética e um café a seguir. “Vamos continuar com os protestos de rua porque ainda temos uns assuntos pendentes com o Governo e com a Troika”, afirmou, referindo-se aos três financiadores estrangeiros do país: Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia.

Sindicatos contra privatizações

O mês passado, entre violentos protestos, o primeiro ministro George A. Papandreou teve dificuldade em fazer aprovar um novo pacote de medidas de austeridade no Parlamento, incluindo planos de venda de 50 mil milhões de euros em ativos públicos, um passo que os economistas e a Troika afirmaram crucial para reestruturar o corrupto setor público da Grécia. George Papandreou conseguir pôr em prática o plano vai depender, em grande medida, de pessoas como Nikos Fotopoulos. O seu sindicato, Genop, representa os trabalhadores na Empresa Pública de Eletricidade, que é propriedade conjunta do Governo e de investidores privados.

O sindicato opõe-se veementemente à privatização de entidades públicas e é conhecido pelos seus protestos agressivos, incluindo paralisações na Empresa Pública de Eletricidade que provocou cortes de energia generalizados, que custaram ao país entre 30 e 40 mil milhões de euros nas últimas semanas, estima a companhia.

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O Genop é um problema particularmente espinhoso para George Papandreou. Foi uma criação do Partido Socialista no Governo que, ao longo do tempo, ajudou a construir o sistema de jobs-pelos-votos, centrado no trabalho, que o primeiro ministro é agora forçado a desmantelar. Para aplicar as reformas, George Papandreou terá de dar um golpe no núcleo do seu próprio partido — e ainda vamos ver se tem força, ou estômago, para o fazer. A luta com os trabalhadores da empresa de eletricidade é ainda mais pessoal para George Papandreou.

Em 2007, Nikos Fotopoulos apoiou a sua candidatura à liderança do Partido Socialista. Sentado à secretária, Nikos Fotopoulos mostra fotografias de Papandreou a visitar o gabinete da empresa com trabalhadores do sindicato. Ao lado, está uma fotografia de George Papaconstantinou, atual ministro da Energia e do Ambiente — responsável, entre outras coisas, pela maior venda de participações do Governo na empresa de eletricidade.

O Governo detém 51% da empresa de eletricidade e controla a administração. O Estado vendeu os restantes 49%, numa privatização parcial, em 2000. Nikos Fotopoulos, 49 anos, figura corpulenta, de barba, com um aperto de mão cerrado, disse que o sindicato tinha apoiado a candidatura de George Papandreou à liderança do Partido Socialista, em 2007, porque lhe pareceu uma pessoa “mais acessível, calorosa, próxima e preocupada com os nossos problemas”. “Ainda o respeitamos como político e como pessoa”, afirmou, “mas acreditamos que estas políticas bárbaras vão contra os interesses do povo grego”. Para muitos analistas, a intimidade entre o Partido Socialista e o sindicato é um sinal da eventual dificuldade sentida pelo Governo na venda de mais uma parcela da empresa de eletricidade, como está previsto para 2012.

Sindicatos são piores que os políticos

Ao contrário de outras empresas do setor público na Grécia, a empresa de eletricidade é rentável, com uma receita de 560 milhões de euros em 2010 de 5 milhões e 700 mil euros em vendas. Mas os analistas receiam que a sua imagem futura de rentabilidade fique ensombrada por regulamentos incertos e, mais importante, pelo poder dos sindicatos. Para muitas pessoas, não se trata apenas da venda de uma participação em empresas públicas, mas de saber como se pode transformar o setor público nacional. “Trata-se de fazer dinheiro; trata-se de mudar a cultura”, disse Panagis Vourloumis, ex-presidente da OTE, o monopólio de telecomunicações grego, no anterior Governo de centro-direita.

A venda de empresas públicas é bastante impopular para os gregos, que receiam uma liquidação total dos ativos públicos e aplaudem os protestos do Genop e de outros sindicatos. Mas no fosso cada vez maior entre os trabalhadores do setor público e do setor privado, é cada vez maior o número de pessoas a considerar que os trabalhadores da empresa de eletricidade, em particular, são uma casta superprotegida e super bem paga. De acordo com Nikos Fotopoulos, os 21 000 membros do Genop recebem, em média, 1 400 euros, líquidos, por mês, e os seus 35 000 reformados, uma reforma líquida, em média, de 1 500 euros por mês — muito superior à media nacional.

“Os sindicatos são ainda piores do que os políticos”, diz Theodoros Yiannopoulos, vendedor de pão numa rulote na baixa de Atenas. “Instalavam-se em hotéis de cinco estrelas na Europa e nós é que pagávamos a conta.” Estava a referir-se a um recente relatório da inspeção da administração pública grega, segundo o qual, desde a década de 1980, a empresa de eletricidade pagou ao Genop mais de 22 milhões de euros, grande parte para “turismo social”, ou subsídios de férias — mas também para manifestações contra a própria empresa, uma revelação surreal que mostra os complexos interesses instalados que vão ser tão difíceis de desfazer para George Papandreou.

Nikos Fotopoulos considerou o relatório “uma campanha caluniosa” e explicou que os subsídios faziam parte do contrato negociado entre a empresa e o sindicato. Outros afirmam que esta é uma batalha política e económica. “O grande desafio é os políticos acreditarem que ainda há um futuro sem os sindicatos”, afirmou Takis Athanasopoulos, que se opôs terminantemente ao Genop, enquanto presidente da Empresa Pública de Eletricidade do anterior Governo. A entrevista telefónica foi interrompida quando a chamada caiu — por causa de um corte de energia provocado por um protesto do Genop.

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