UE-Expresso. Rápido, direto, ilegal. Cartoon de Schrank, The Economist.

Para onde foram os imigrantes?

Pela primeira vez desde há muito tempo, o número de imigrantes que entraram ilegalmente na Europa diminuiu. No entanto, os Governos continuam a brandir o espantalho de uma "invasão" em curso.

Publicado em 18 Agosto 2010
UE-Expresso. Rápido, direto, ilegal. Cartoon de Schrank, The Economist.

Estamos em meados de agosto, o pico da estação de tráfico de migrantes no Mediterrâneo. E contudo, não há milhares de africanos e asiáticos desidratados a chegar às costas das ilhas Canárias, no sul de Espanha, à Sicília ou a outras ilhas italianas.

É certo que vão chegando alguns clandestinos, em número limitado. Há duas semanas, descobriu-se que 40 desgraçados norte-africanos tinham aumentado em quase 10% a população pequena ilha italiana de Linosa. Uma organização católica, a Caritas, proclamou que a migração por via marítima estava a aumentar. Mas os dados da Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-Membros da União Europeia (Frontex) mostram que apenas 150 pessoas chegaram a Itália e a Malta, no primeiro trimestre deste ano – em comparação com 5200 no mesmo período do ano passado. Nas Ilhas Canárias, só cinco pessoas chegaram à costa, nos três primeiros meses deste ano, quando ainda há poucos anos os africanos chegavam ali às dezenas de milhar. Para onde foram então todos os emigrantes?

A resposta tem, em parte, a ver com o facto de os Governos da Europa do Sul terem recorrido à diplomacia (e ao dinheiro…) para resolver este problema. A Espanha fez acordos com países do noroeste de África, que resultaram na deslocação mais para sul dos portos de embarque dos emigrantes, tornando a viagem até às Canárias ainda mais perigosa e mais cara. Em Itália, o Governo de Silvio Berlusconi chegou a um compromisso mais discutível com os líbios, que permite às patrulhas italianas entregar os emigrantes que intercetarem aos carinhosos cuidados da polícia do coronel Kadhafi, antes de aqueles terem qualquer hipótese de pedir asilo.

Fatores que desviam o fluxo de imigrantes da Europa

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Contudo, o fluxo em direção à Europa não é determinado apenas pela eficácia das medidas tomadas para o limitar. Também é influenciado pelo número de pessoas dispostas a pôr em risco as suas vidas e poupanças numa tentativa para atravessar as fronteiras da UE.

Há dois fatores que parecem estar a contribuir para esta situação. O fluxo de pessoas que pedem asilo depende em parte do nível de instabilidade nas zonas mais conturbadas do planeta. Uma vez que a Somália, o Iraque e os territórios palestinianos já conheceram anos mais difíceis do que 2009, pode ter acontecido que a entrada em vigor do acordo da Itália coma Líbia tenha coincidido com o início da quebra do volume de emigrantes a chegar às costas do norte de África.

O outro fator é o declínio económico da Europa, cujos efeitos se podem ver com maior acuidade em Espanha. Neste país, a crise económica pode até estar a inverter o sentido das migrações. O número de residentes estrangeiros caiu 2% no segundo trimestre deste ano. O maior decréscimo verificou-se entre os latino-americanos, cujo número se reduziu em 100 mil.

O que nos leva a uma outra fonte de confusão ou, até, de aldrabice pura. Os colombianos e equatorianos instalados em Espanha não chegaram ali em barcos de pesca. Nem foi assim que os filipinos e os moldavos chegaram a Itália. A emigração que vem do mar dá azo a notícias dramáticas na televisão mas não corresponde à maioria das chegadas.

Um cartaz da Liga do Norte italiana mostra um barco pejado de rostos negros e apregoa: "Travámos a invasão." Mas isso não é verdade. As entradas em Itália por mar representam apenas um quinto do total estimado de entradas. E a "invasão" pode não ter sido travada, ou pelo menos não de forma definitiva. A retirada americana do Iraque, a recuperação da Europa e vários outros fatores poderiam, num só dia, fazer disparar de novo o número de pessoas dispostas a arriscar tudo por tudo.

O verdadeiro problema da emigração

Se a economia europeia registar realmente um boom e dezenas de milhar de pessoas conseguirem de facto entrar, os Governos europeus irão mesmo importar-se com isso? Talvez a distorção mais importante de toda esta questão seja uma resposta afirmativa. Os Governos nacionais parecem oscilar entre a complacência e a hostilidade, consoante o estado da economia e os resultados das sondagens.

A nível europeu, os Estados-Membros nunca conseguiram chegar a acordo sobre o modo de ajudar os países mais pequenos, como Malta, que funcionam como pontos de entrada. Por outro lado, a Europa precisa dos emigrantes para compensar a sua baixa taxa de natalidade e para fazerem os trabalhos sujos que os seus cidadãos desdenham. Este verão, a agência de emprego da Catalunha propôs empregos na apanha de fruta a 7800 desempregados. Menos de 1700 pessoas aceitaram. E muitas delas não eram de origem espanhola.

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