As três membros da banda Pussy Riot, durante o julgamento, em Moscovo

Pussy Riot ou o regresso ao futuro comunista

O julgamento das três membros do grupo punk feminista, condenadas em 17 de agosto a dois anos de detenção num campo de trabalho, faz lembrar o julgamento grupo de rock checoslovaco, nos anos 1970. Assiste-se à mesma intolerância para com os "hooligans" e para com os críticos do regime.

Publicado em 21 Agosto 2012 às 10:22
As três membros da banda Pussy Riot, durante o julgamento, em Moscovo

Na passada sexta-feira, os observadores checos tiveram oportunidade de realizar uma viagem no tempo e regressar a setembro de 1976. Quatro jovens de cabelos compridos em Praga e três em Pilsen foram então julgados por um comportamento que, no calão judicial da época, era qualificado como "hooliganismo".

Na verdade, a acusação resultou do facto de os "hooligans" terem feito coisas bastante banais, mas que os comunistas consideravam como "desobediência": usavam cabelos compridos, tocavam a sua música, saíam com os amigos para se divertirem e evitavam todos os rituais [comunistas] exigidos como sinal de lealdade ao regime totalitário. Apesar de só dois membros do grupo fazerem parte do grupo de sete pessoas condenadas em 1976, o caso do grupo de rock Plastic People of the Universe pode considerar-se emblemático. Os "hooligans" foram mandados para a prisão, por terem querido organizar concertos privados nas suas casas ou em bares.

É como se o outono de Praga de 1976, que, como se sabe, deu um impulso decisivo à criação da Carta 77 [as reivindicações em matéria de reformas liberais na Checoslováquia] tivesse sido de certo modo reencenado hoje, em Moscovo. As jovens do grupo punk russo Pussy Riot foram condenadas, em 17 de agosto, a dois anos de prisão por alegado "hooliganismo" e "perturbação da ordem pública", por terem cantado e saltado no interior da principal catedral de Moscovo e pedido à Virgem Maria que "livrasse a Rússia de Putin".

Há evidentemente, diferenças substanciais entre os dois casos. Os Plastic People e os seus amigos não levaram a cabo um ato de provocação espetacular de caráter político e não pretendiam afastar ninguém do poder. Os seus concertos eram realizados em segredo e, se tivessem alguma coisa de espetacular, seria a falta de interesse naquilo que estava a acontecer no Estado checoslovaco. Queriam apenas viver a vida à sua maneira.

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Mas não é essa a verdadeira questão. A juíza do processo russo, que foi transmitido ao vivo pela TV checa, usou os termos e argumentos utilizados pelos tribunais que julgaram os "hooligans" na Checoslováquia totalitária. Desta vez, não se tratava de cabelos compridos mas de saias vergonhosamente curtas.

A arbitrariedade de um governante cruel

O regime de Putin (e o próprio Putin, segundo alguns observadores da situação política russa), que lançou este julgamento político, oferece-nos um cenário teatral que poderá ser – como nos mostra a experiência – apenas o primeiro recortado da época soviética. É na detenção e condenação das jovens do grupo Pussy Riot que se revela a verdadeira natureza do regime de Putin. Graças à Internet e aos órgãos de comunicação, dispomos de uma prova flagrante da arbitrariedade de um soberano cruel e animado pelo espírito de vingança, que evidentemente reproduz uma nova versão, apenas mais moderna, do regime que serviu outrora, quando era um jovem espião dos serviços secretos.

Os céticos perguntar-se-ão o motivo por que, se estamos perante um caso tão evidente de despotismo, as Pussy Riot recebem apenas um vago apoio da parte dos russos comuns e nas sondagens. Quem sabe… Mas a farsa representada em tribunal pelo regime, que mostrou a sua verdadeira face diante das câmaras de televisão, em transmissão direta, não apresenta qualquer prova de que a firmeza de Putin conte com apoio público. Aparentemente, tratou-se de uma demonstração deliberada de força destinada não aos espectadores do mundo, mas apenas aos russos comuns. Na verdade, desde a sua eleição, Putin tem enfrentado protestos sem precedentes e precisa de intimidar os opositores.

Uma coisa é certa: o forte interesse dos órgãos de comunicação, dos responsáveis políticos e de artistas famosos em breve se deslocará para outra causa. No entanto – como nos ensinou a Checoslováquia comunista – a pressão política poderá, quanto mais não seja, proteger as detidas de serem alvo de violência ou mortas na prisão. Além disso, seria preciso converter a vaga de interesse e de indignação pelo julgamento das Pussy Riot numa vaga de pressão política concreta, semelhante à que os checos sofreram nos anos 1980. Por outro lado, Putin e o seu regime terão que ser tratados como inimigos confirmados dos valores que – 22 anos mais tarde – nós ainda consideramos sagrados.

Reações

Russos indiferentes

Enquanto boa parte da comunidade internacional – para já não falar dos músicos Sir Paul McCartney e Madonna – condenam as penas de dois anos de prisão aplicadas na semana passada em Moscovo às Pussy Riot, os russos têm-se mostrado lentos a reagir à situação do grupo punk feminista, escreve o jornal The Independentescreve o jornal The Independent. No entanto, acrescenta este diário, as coisas começam a mudar lentamente.

A atuação das Pussy Riot, em fevereiro, na Catedral de Cristo Salvador, em Moscovo, conquistou poucas simpatias entre a maioria dos russos mas, depois da perseguição agressiva pelas autoridades, o trio foi gradualmente adotado como uma das suas causas pelos líderes dos protestos da oposição contra o Presidente Vladimir Putin. Contudo… a maior parte das vozes oficiais na Rússia mantiveram o silêncio durante o julgamento.

O antigo ministro das Finanças e amigo de Putin, Alexei Kudrin, diz que "foram causados grandes danos à imagem do país", enquanto a jornalista pró-Kremlin Tina Kandelaki considera que, numa perspetiva de relações públicas, o modo como o assunto foi tratado constituiu um "suicídio informativo".

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