Recolocar os cidadãos no seio da União

A democracia representativa e a ideia de cidadania e solidariedade entre europeus estão mais fracas e torna-se cada vez mais difícil de ultrapassar a crise. Sem um aumento da participação dos cidadãos, a União não sobreviverá na sua forma atual, alerta um editorialista polaco.

Publicado em 14 Setembro 2012 às 14:31

Para responder às questões – “De que Europa precisamos?” e “Que Europa está ao nosso alcance?”, vejamos a situação dos europeus, os de hoje e de amanhã. Afinal de contas, estamos a falar de uma construção real, de um ser existente, constituído por pessoas. Não só intelectuais, políticos, altos funcionários, mas também pessoas comuns. As que votam, as que se abstêm, as que se interessam ou não pelos assuntos públicos, que elegem presidentes e parlamentares cheios de sabedoria ou estupidez, exercendo plenamente ou não todos os seus direitos civis, políticos e económicos.

Tenho a sensação de que descuramos demasiado o problema que os próprios cidadãos europeus representam para a Europa, mesmo que o problema não esteja propriamente no seio do continente europeu. Os cidadãos mudaram muito e já não são os mesmos que eram dirigidos, há meio século, por grandes líderes europeus como De Gasperi, Schuman, Adenauer ou de Gaulle. Esta mudança influencia não só a atual e futura democracia nos Estados-Nação, como também a forma atual e o futuro da União Europeia.

Anos dourados da cidadania

Não podemos pensar na União sem relembrar alguns feitos. A União nasceu do traumatismo da Segunda Guerra Mundial e foi construída por sociedades que sobreviveram. Por consequência, os cidadãos conheciam demasiado bem os riscos de uma má gestão política para não se interessarem pelos assuntos públicos. Liam jornais, participavam nas eleições, integravam partidos e organizações sindicais. No Ocidente, as três primeiras décadas do pós-guerra foram os verdadeiros anos dourados da cidadania.

Nas décadas que se seguiram, a sociologia e os métodos da democracia mudaram muito. O consumidor substituiu pouco a pouco o cidadão. Na esfera pública, o debate público e a informação foram substituídos pela diversão. Os partidos políticos tradicionais, de esquerda ou de direita, segundo critérios ideológicos e de classe estritos, renderam-se perante uma ideologia sem nome que submeteu todas as esferas da vida à economia, e em seguida, lado a lado, seguiram o caminho da submissão das ideias à economia.

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O futuro dirá se isto é bom ou mau, mas já se observa uma mudança profunda na cultura das sociedades ocidentais, na estrutura social, no nível de conhecimentos, nas relações humanas, no sistema de valores. É esta mudança, que os politólogos e sociólogos consideram há várias décadas a fonte da crise da democracia nas suas formas tradicionais de representação.

Sentido de responsabilidade coletiva

Será a democracia representativa, posta em cheque nos Estados-Nação (um mal que Jürgen Habermas combatia com o seu conceito de democracia deliberativa), capaz de resolver a crise da União Europeia? Penso que não. De facto, não compreendo como o modelo representativo, que assenta na ideia de um sentido de responsabilidade coletiva, poderá salvar a União, quando este está em vias de extinção. Como poderá este modelo, que se desvanece a nível nacional, ser benéfico para as instituições supranacionais? Tendo em conta o pensamento de Habermas, e o de John Keane, eu procuraria sobretudo soluções mais inovadoras e mais adaptadas à nossa época, como as formas institucionalizadas e pan-europeias de deliberação e participação para os que assim o desejarem.

Dito isto, é essencial saber se essas inovações, que encontram diversos obstáculos a nível nacional, ou local, têm a mínima hipótese de serem aplicadas e funcionarem ao nível da UE. Também não tenho a certeza disso. O que significa que devemos escolher entre uma solução muito provavelmente ineficaz e outra praticamente impossível.

A mudança é necessária e urgente. A incapacidade da UE em tomar decisões leva-nos direitos ao desastre. Um reforço dos mecanismos tradicionais da democracia na União poderá destravar processos de tomada de decisão a curto prazo, mas a longo prazo parece contraprodutivo. Por exemplo, é óbvio que as eleições presidenciais diretas levariam ao poder uma personalidade mais forte do que Herman Van Rompuy, mas será que estaríamos melhor se, com o apoio da Mediaset e da News Corporation, esta outra pessoa fosse Silvio Berlusconi?

Onda de solidariedade

A deterioração da solidariedade social é outro feito marcante do nosso contexto atual. Na maioria dos países, observa-se cada vez mais uma resistência na aceitação de transferências. Os ricos de hoje partilham ainda menos a sua riqueza com os pobres, apoiando-se numa forte ideologia para justificar esta rejeição. O que tanto diz respeito às transferências entre classes, como entre gerações ou até mesmo entre regiões.

No entanto, sem o reforço da solidariedade, não será possível vencer eficazmente a crise, nem manter a União Europeia na sua forma atual. Isto deve-se ao fosso cada vez maior entre certos países que enfrentam atualmente problemas sérios e os que estão relativamente bem, como também ao facto de toda a Europa estar envolvida num problema comum, isto é, a mundialização e os diversos processos de mudanças sociais que num futuro próximo vão baixar significativamente o nosso nível de vida (há quem fale de um recuo de 20%). Neste contexto será ainda mais difícil esperar uma onda de solidariedade.

Esses dois fatores, a deterioração da cidadania e da solidariedade, levam-me a pensar que nem a crise que a União enfrenta, nem as medidas propostas para a resolver têm um caráter institucional. A forma das instituições europeias, bem como a sua impotência, refletem a situação sociocultural atual; quanto ao agravamento da crise, representa a deterioração dos fundamentos sociais e culturais da União.

Crise da democracia representativa

Isto não é uma sentença de morte. Não acredito na morte da União, porque não vejo nenhuma vida aceitável para as gerações presentes fora dela. O desmoronamento do euro será prejudicial para todos (sobretudo a Alemanha) e o desmoronamento da União Europeia seria uma catástrofe comparável a uma grande guerra. Felizmente, há muita consciência disso na Europa, pelo menos entre as elites políticas.

Mas os pequenos esquemas técnicos, institucionais, jurídicos e constitucionais não darão nada a longo prazo, caso não consigamos atingir a cultura e as instituições. A crise económica (financeira e da dívida) tem fundamentos políticos, é uma consequência da crise da democracia representativa.

A crise da democracia representativa é de origem cultural e resulta da deterioração da cidadania e da solidariedade. As medidas eficazes devem, independentemente da dificuldade intelectual e política, ter em conta a natureza sociocultural das tensões atuais, sem se concentrarem apenas na gestão diária desta criatura não identificada que é hoje a União Europeia.

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