A expulsão de ciganos decretada pelo Presidente Nicolas Sarkozy suscitou protestos dentro e fora do país. Claro que as imagens da polícia francesa a limpar acampamentos ciganos é chocante e reprovável: foram despejados cerca de 40 acampamentos e 700 pessoas ameaçadas de expulsão. Esta campanha não é o resultado de um complexo de racismo ou agressividade do Presidente francês, mas de um esforço específico do Estado francês.
O Estado francês foi o mais centralizado da Europa. Fez da burocracia uma arte, ao construir uma intrincada teia de instituições públicas de elite que inclui desde o presidente, que preside, ao autarca local em cada cidade ou aldeia. Neste momento, o Estado francês está gravemente enfraquecido. Há muitas regiões – as chamadas “zonas sensíveis” – ocupadas sobretudo por populações imigrantes, onde o Estado tem pouca ou nenhuma importância e onde a polícia só entra fortemente armada.
Nestas áreas, existe sempre uma tensão latente, prestes a explodir. Foi um incidente deste género que deu origem à expulsão dos ciganos. A 16 de julho, um jovem cigano passou de carro pelo ponto de controlo de Saint Aignan (Loire), levando um polícia no capô do carro. Ao passar no posto de controlo seguinte, foi alvejado pela polícia. No dia seguinte, 50 ciganos provocaram desacatos com machados, destruindo um posto de polícia e outros edifícios governamentais. Foi no seguimento deste incidente que Sarkozy reprovou um “determinado tipo de comportamento do povo nómada” e afirmou que os residentes dos acampamentos ilegais seriam desalojados.
Espanha tem quase o dobro dos ciganos de França
Houve um outro incidente que levou Sarkozy à sua segunda grande iniciativa de verão: a intenção de retirar a nacionalidade a qualquer cidadão francês “de origem estrangeira” autor de crimes violentos. Isto começou depois de a polícia ter alvejado um assaltante à mão armada em Grenoble, provocando uma série de distúrbios no bairro de imigrantes e trabalhadores da cidade. “Parece Beirute! Juro que parece Beirute!”, afirmou uma residente local com o alarido dos carros da polícia e dos helicópteros. Uma escalada de violência como esta poderá acontecer a qualquer momento em muitas áreas de França. Uma simples operação de rotina com a polícia a prender um motociclista pode dar azo a uma escalada de violência e ao deflagrar de um confronto entre população e polícia.
Estes acontecimentos não resultam da revolta inerente às populações imigrantes. De facto, comparando com França (400 mil), há quase o dobro dos ciganos em Espanha (725 mil) e 300 mil no Reino Unido. Mas só em França é que existe uma forte tensão entre os ciganos e o Estado que resulta, sem dúvida nenhuma, das relações do Estado francês – ou a falta delas – com as populações imigrantes.
Ao contrário do Reino Unido, a França não foi capaz de criar instituições oficiais intermédias relativamente às preocupações governamentais de ordem social. No Reino Unido, o Estado pôs em marcha um verdadeiro arsenal de instituições antissociais, incluindo novos poderes locais (ordens para comportamentos antissociais, zonas de distúrbios, multas de ocorrências) e novos funcionários públicos (de apoio comunitário, guardas de subúrbios). Embora possa dizer-se que isto não dá grandes frutos, conseguiram reinstalar novas formas de contacto entre populações distintas e o Estado e cumprem uma função disciplinadora.
Relações militarizadas com os subúrbios
Quando tentou instaurar “contratos de segurança local”, Nicolas Sarkozy queixou-se dos resultados desoladores: “22 contratos em 2007, oito em 2008 e um em 2009”, um número que no Reino Unido teria sido rapidamente alcançado pelas autoridades locais. França revela uma impressionante arquitetura do poder central – todas aquelas redes e instituições públicas de topo – embora afastadas e isoladas da sociedade.
Quando todas as tentativas de comunicação falharam, a França militarizou ao máximo as suas relações com os problemáticos subúrbios. Ao passo que o Reino Unido possui “funcionários de apoio comunitário” – que andam de um lado para o outro de blusão e chamam a atenção às pessoas que mandam pastilhas para o chão – a França tem uma “brigada anticrime” que é, no fundo, um força de intervenção armada e treinada para conflitos de rua.
As pessoas que vivem em áreas sensíveis olham para estas brigadas armadas geralmente como um exército invasor. Não são apenas os mais novos que reagem assim. “Vão para casa!”, gritava uma mulher mais velha ao ver a polícia a posicionar-se em Grenoble. Num outro incidente, uma mulher com filhos foi presa por ter mordido um polícia na perna. Estes confrontos são, literalmente, uma “guerra” entre uma pesada máquina estatal e uma população à margem.
Ação presidencial com efeitos reais na vida das populações
Como afirma Denis Muzet, sociólogo, os ciganos funcionam em primeiro lugar como símbolos da desordem contra a qual o Estado declara guerra. Entretanto, a lei que retira a nacionalidade a um cidadão francês “de origem estrangeira” demonstra que o que está em causa é especificamente uma hostilidade em relação ao Estado. Os crimes pelos quais as pessoas seriam desnacionalizadas envolvem, basicamente, ataques aos representantes do Estado, não apenas polícias, mas também outros funcionários públicos.
Este verão, Nicolas Sarkozy e o seu executivo participaram em eventos mediáticos através dos quais o Estado aproveitou para recuperar terreno perdido. O ministro do Interior, Brice Hortefeux, patrulhou pessoalmente as ruas de Grenoble na ronda da noite, como se conseguisse, por ele próprio, devolver a segurança à nação. Imagens do Estado a reclamar áreas desgovernadas visavam o público em geral. Hortefeux afirmou, numa entrevista: “De facto, as ações realizadas sob as ordens do Presidente da República unem o povo francês”.
Os ataques aos símbolos da desordem – ciganos ou delinquentes – são dirigidos à maioria, de quem o Estado também se encontra afastado, mas a questão, como refere Denis Muzet, é que isto não passa de um “gesto presidencial sem efeitos práticos na vida diária das pessoas”. As sondagens de opinião mal se ouviram ao longo da ofensiva de verão. Por ser uma representação televisiva, os telespetadores franceses não se comoveram. O resultado final destes ataques simbólicos é o maior agravamento das relações entre Estado e minorias e o maior distanciamento entre forças policiais e população.