Berlim, 13 de agosto de 1961. Soldados e civis alemães montam guarda à frente da Porta de Brandeburgo. Esta fotografia foi utilizada muitas vezes pelo regime comunista para celebrar os "defensores patrióticos do povo".

Um Muro entre gerações

Foi precisamente há 50 anos que o Muro de Berlim foi construído. Há mais de 20 anos, foi derrubado. Porém, perdura ainda nas famílias, escreve um jovem berlinense, pois pais e filhos nem sempre falam abertamente da vida na época da RDA.

Publicado em 12 Agosto 2011
Berlim, 13 de agosto de 1961. Soldados e civis alemães montam guarda à frente da Porta de Brandeburgo. Esta fotografia foi utilizada muitas vezes pelo regime comunista para celebrar os "defensores patrióticos do povo".

As memórias da construção e da queda do muro são muito rodadas. Preparámos um discurso que começa com uma descrição do Unrechtsstaat [expressão dada na RDA, literalmente: Estado de não-Direito] para alcançar a reunificação passando pela revolução pacífica. Mas esta versão coletiva cai num impasse em relação a um capítulo essencial: a terceira e última geração de alemães de Leste.

Nós, jovens alemães de Leste, tínhamos uns 8 ou 10 anos quando o muro caiu. Passámos a maior parte da nossa existência na Alemanha reunificada, com todas as liberdades que isso significava. E achávamos que seríamos nós a deixar para trás o velho fosso Leste-Oeste.

E, no entanto, o muro perdura dentro de nós. Desde logo, temos algumas lembranças vagas das primeiras tardes nos "Pioneiros" [movimento de enquadramento da juventude comunista]. Os cravos que, com uma confiança cega nos pais e nos professores, levávamos para o aniversário do partido. Da nossa tristeza quando os pais viam recusada a autorização de saída do território. Hoje como ontem, a vergonha e o orgulho andam de braço dado. Mas isto não é tudo. Também sentimos nas famílias, ainda hoje, a presença do muro, mesmo passados 20 anos sobre a sua demolição. Está erguido entre pais e filhos, impondo uma certa forma de memória e uma triagem das lembranças.

De um dia para o outro caiu um país

Com a RDA desapareceram todas as referências em vigor até aí. De um dia para o outro, não foi apenas uma fronteira que caiu, mas também uma proteção. E, com ela, um país de que pouca gente gostava, mas no qual todos, ou quase todos encontravam as suas marcas. De um dia para o outro, os nossos pais tiveram de resolver situações que lhes eram completamente desconhecidas. Tiveram de colmatar o seu atraso e encontrar as suas referências num sistema que em nada se parecia com aquele que tinham imaginado. Uma carta lapidar de um advogado, ou de uma seguradora podia provocar-lhes angústias existenciais, pois ninguém sabia o significado daquilo.

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De repente, os projetos dos nossos pais não contavam para nada. De repente, era como se tudo o que tinham vivido fosse artificial. De repente, os nossos pais tornaram-se frágeis. Descobriram à sua custa que nem o Partido Cristão-Democrata, nem os militantes cumpriam as promessas feitas. Pouco interessava que fossem filhos de operários, de pastores, ou de militantes do partido. Ninguém tinha referências, andava toda a gente à deriva. Este sentimento de confusão que reinava nas famílias e na sociedade em geral unia-nos, a nós, a terceira geração de alemães de Leste. Os nossos avós tinham conhecido a guerra. Desempenharam um papel fundamental na construção da RDA e do novo modo de vida. Os nossos pais nasceram na década de 1950 e 1960 e não conheceram outro país para além deste.

Entre 1975 e 1985, a RDA viu nascer perto de 2 milhões e 400 mil crianças. São a terceira geração de um país que já não existe. Também não sabíamos nada sobre o novo regime, mas éramos novos e não tínhamos nada a perder. Percebemos melhor as possibilidades que os perigos. Explicámos um pouco o mundo aos nossos pais.

O profundo sentimento de perplexidade que reinava na época fez nascer uma memória seletiva sobre tudo o que dizia respeito à RDA. Os nossos pais refugiaram-se em lembranças estereotipadas. Falam pouco, limitando-se geralmente a contar o que já não os envergonha hoje. Não querem pôr em perigo a sua nova identidade. Quando recordam a vida que tiveram, dão uma versão cheia de lacunas e refinada. Falam das coletividades onde todos trabalharam. Ou das "manifestações das segundas" e das viagens organizadas. Mas nós, os mais novos, deixamos passar. Até hoje, não lhes fizemos perguntas. Ficamos calados.

Derrubar o muro de vez

Ficamos calados porque não queremos complicar ainda mais o mundo deles. Estávamos lá quando compraram o primeiro carro, quando fizeram as primeiras viagens ao ocidente, quando perderam o emprego, quando se refugiaram nas suas hortas.

Também não dissemos nada durante o debate público na RDA e no período pós-revolucionário. Éramos muito jovens na altura e não servíamos para participar num debate que apresentava interpretações unilaterais da História. E, para além disso, alguém tinha vontade de dizer publicamente que era do Leste? Estamos integrados, somos ambiciosos, cheios de projetos e, muitas vezes, mais capitalistas do que muitos alemães ocidentais. Preferimos esquecer as nossas origens do que torná-las objeto de debate.

Esta paz, este silêncio teve um preço. Não fazemos perguntas aos nossos pais. Como era viver num Estado totalitário? Como foi possível durar tanto tempo? Como reagiram quando vos disseram que tinham de ir para a tropa quando queriam estudar? Onde está o vosso processo da Stasi, para eu poder ler? Estas perguntas têm de ser feitas para se poder iniciar um novo debate, mais diversificado e mais contraditório do que o anterior.

Queremos outras alternativas, para além de um Unrechtsstaat ou de uma nostalgia insignificante do Leste. Ao acabarmos com o não dito, seremos capazes de derrubar, de uma vez por todas, o muro erguido no seio das famílias.

Berlim

Uma “Disneylândia da Guerra Fria”

Será que a capital alemã se tornou numa “Disneylândia da Guerra Fria”? Pelo menos é esta a questão colocada, neste momento, por alguns políticos e historiadores alemães, relata o Der Spiegel. Enquanto a Alemanha se prepara para comemorar os 50 anos da construção do Muro, o semanário evoca uma cidade onde “se debateu durante anos a forma como este acontecimento seria relembrado, enquanto empreendedores e investidores privados se divertiam com os lugares mais simbólicos da divisão, com os seus próprios conceitos e projetos comerciais”. Desde os passeios ao longo dos vestígios do Muro em Trabant Made in DDR, até à reconstituição dos controlos de fronteira entre o Este e o Oeste, “a RDA renasce sob a forma de atração turística”, explica o semanário.

No entanto, “durante anos, o destino do Muro deveria ter sido apenas um: o desaparecimento”, relembra o Der Spiegel, evocando a aversão das antigas gerações para com esta barreira, que durante muito tempo fora sinónimo de vergonha. Atualmente, estes poucos quilómetros de betão poderão fazer parte de um “Centro da Guerra Fria”, um projeto de museu que reunirá “os diferentes aspetos da divisão entre a RFA e a RDA. Fornecerá aos visitantes “uma explicação global” e permite ao Der Spiegel concluir: “com 5,5 milhões de visitantes nos museus e lugares históricos da cidade, o interesse pela história moderna em Berlim nunca fora tão grande”.

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