Uma Alemanha à americana

Publicado em 14 Setembro 2012 às 13:27

Já se sabe que Angela Merkel é a mulher mais poderosa do mundo. E o seu país, o mais poderoso da União Europeia, aquele sem o qual nada seria possível, em especial quando se trata de prestar ajuda aos países em dificuldades. É por este motivo que o acontecimento da semana, mais que o discurso, ainda que importante, de José Manuel Durão Barroso, foi a decisão do Tribunal Constitucional alemão sobre o fundo de resgate europeu.

Sem o “Ja” [“Sim”] dos juízes de Karlsruhe, não há salvação para a Grécia, Espanha ou Itália, dizem. Aparentemente, o destino de pelo menos 117 milhões de europeus dependia da decisão de oito magistrados de um país que não o deles em virtude de um processo que a maior parte desconhece. Isto resulta, em grande parte, da evolução do funcionamento político da Alemanha e do lugar que este país ocupa no mundo. Uma evolução que poderíamos considerar americana.

Da mesma maneira que a ação ou inação americana teve muitas vezes impacto na evolução do mundo, assim também a Europa de hoje vive muito ao ritmo fixado por Berlim. E da mesma forma que o Presidente norte-americano se defronta muitas vezes com os entraves de um Congresso, cujos votos dependem de questões puramente nacionais e locais e de grupos de pressão, também a chanceler alemã se vê obrigada a transigir com um Bundestag constituído por elementos que se orientam por uma lógica própria dos Länder [regiões] e de partidos ou grupos económicos. O deputado da Baviera é para a Europa o mesmo que o representante do Midwest é para o mundo: um eleito cuja escolha ultrapassa fronteiras, mas cuja Weltanschauung, a visão do mundo, se reduz cada vez mais ao ritmo da sua impaciência em relação às supostas insuficiências dos outros europeus.

Da mesma forma que o Supremo dos EUA é o último recurso dos confrontos políticos e culturais (sobre proteção social, armas de fogo, aborto), também o Tribunal de Karlsruhe se transforma em Julgado de Paz da luta de influências na Alemanha Federal. Se calhar, nada disto surpreende no país de Jürgen Habermas, o teórico do patriotismo constitucional. Mas revela um paradoxo que, mais uma vez, ultrapassa o simples caso da Alemanha.

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Foi em nome da democracia que os juízes foram chamados a solucionar uma questão política, em que os queixosos consideram que o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) é um ultraje à soberania do parlamento, representativo do povo, em matéria orçamental. Foi em nome do direito que se pronunciaram e que passaram a bola para o campo dos políticos, ao exigirem que o Bundestag volte a decidir um eventual aumento do MEE. À questão essencial da tomada de decisão e do controlo democrático na Europa, os alemães respondem com um equilíbrio precário entre juízes e eleitos que, de facto, exclui os outros europeus. Mas têm o mérito de levar o debate até ao fim.

Agora, são os eleitos e os dirigentes europeus que têm de restabelecer o défice e estabelecer um verdadeiro sistema de equilíbrio de poderes e de controlo democrático para a União Europeia. Para que a Alemanha não se transforme, como às vezes acontece com os EUA, no líder recalcitrante (e autocentrado) e no bode expiatório da nossa impotência.

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