Uma cidadania de papel

Os tratados europeus garantem direitos aos cidadãos-consumidores. Mas na prática, há muitas faltas a esse princípio, sobretudo quando se tratam de nacionais de outros Estados-membros.

Publicado em 8 Abril 2013 às 12:54

Desde há algum tempo, as cadeias de televisão romenas estão a difundir anúncios sobre o tema “Sou um cidadão europeu e tenho direitos”.

Neles, o cidadão aparece em várias situações do quotidiano: comprou um computador portátil que não funciona, quer devolver um produto comprado na Internet ou o seu quarto de hotel não é climatizado.

Perante a recusa dos “prestadores de serviços”, indigna-se e garante em tom resoluto: “Sabem quem eu sou? Sou um cidadão europeu e tenho direitos”. Na verdade a campanha é útil. O cidadão romeno-europeu percebe que a UE lhe trouxe alguns direitos: pode devolver um produto que não o satisfaz ou pedir uma indemnização.

Mas esta campanha foi construída segundo o estilo um pouco aborrecido e insistente da Comissão Europeia e dos seus funcionários: desde há alguns anos, que cai sobre a Europa sob a forma de brochuras e outras iniciativas publicitárias destinadas ao “cidadão europeu”.

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Ora, o cidadão europeu pode bem conhecer os seus direitos no caso do seu computador portátil se avariar ou se ele próprio tropeça na carne de cavalo dentro de um pacote de lasanha, mas parece estar a ser bastante ultrapassado nestes últimos tempos. Porque alguns dos seus direitos, que certamente se encontram entre os “pilares da construção europeia” (como o de trabalhar e de viver em qualquer sítio da UE), não lhe estão a ser concedidos. A época em que se falava de uma “Europa dos cidadãos” evaporou-se, mas ficou toda essa retórica deliberadamente confiante e a cheirar a slogan em forma de “material informativo” elaborado pela Comissão.

A culpa dos “outros” ganha adeptos

A crise económica não é a única culpada, apesar da austeridade se continuar a propagar pelo nosso continente envelhecido. Por exemplo, por decisão europeia, os cidadãos europeus cipriotas viram as suas contas pilhadas. Mas isso foi motivado pelo resgate do euro, que é a moeda de todos nós e, por isso, é preciso mostrarmo-nos solidários! Esta solidariedade na desordem e decidida a partir de cima não pode, no entanto, funcionar enquanto, um pouco por toda a União, florescerem os isolacionismos e enquanto o costume bíblico do “bode expiatório” voltar a estar na moda.

A ideia de que as instituições europeias não têm legitimidade democrática e que, consequentemente, os cidadãos não são representados, foi recuperada em muitos países pelos partidos populistas: a culpa dos “outros” é um artifício simples que ganha adeptos. Os britânicos, cujo euroceticismo sempre foi fonte de divertimento garantido, depois de algum tempo caíram na triste obsessão da invasão romeno-búlgara.

Os factos falam por si: as políticas anti-imigração, tal como foram concebidas e aplicadas pelos Estados-nação europeus, falharam estrondosamente. A Europa é percorrida por milhões de imigrantes vindos de todos os lados e de todas as maneiras (ilegalmente, sobretudo).

Uma bela ideia no papel

Sim, cidadãos europeus deixaram a Roménia por causa da pobreza. Sim, alguns deles comportam-se “como imigrantes”. Sim, alguns trabalham ilegalmente (mas isso é, sobretudo, mais um problema dos Estados que não conseguem erradicar o trabalho ilegal do que a realização do “pilar” da UE que trata da livre circulação de cidadãos). Cerca de dois milhões de romenos não fazem outra coisa que não seja levar à letra esse princípio. Porque esse princípio não foi posto nos tratados apenas para uso exclusivo daqueles que resolvem gozar a sua reforma nas Canárias ou no Sul de Portugal!...

Talvez a Roménia não tenha trazido uma contribuição importante à UE mas há que lhe atribuir o crédito dessa ideia, bela e nobre no papel. Essa ideia do direito dos cidadãos europeus poderem viver onde quiserem na UE. Infelizmente, o nosso Velho Continente, que brevemente precisará muito de imigrantes, deixa aos Estados-nação a tarefa da regulamentação no que diz respeito aos “estrangeiros”. Abrindo caminho a novos fracassos, que em caso algum podem ser compensados pelo direito a ser indemnizado por causa das férias sem ar condicionado...

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