Foto : Artiii / Flickr

Uma voz para a Europa, mas qual?

O Tratado de Lisboa prevê a criação de um corpo diplomático comum para os 27, sob a alçada de um Alto Representante. Mais esta bela ideia esbarra num pequeno problema: os Estados e as diferentes instituições disputam o direito de o dirigir.

Publicado em 5 Novembro 2009 às 16:34
Foto : Artiii / Flickr

Na imprensa europeia, surgiu há dias a notícia de que a União Europeia está a criar um corpo diplomático próprio e as suas próprias embaixadas. A assinatura do Tratado de Lisboa, sobretudo após o sim irlandês, trouxe para a mesa das negociações uma das principais novidades do Tratado.

A ideia de uma diplomacia comum europeia não é nova, tendo sido referida pela primeira vez numa Resolução do Parlamento Europeu, em 2000. Posteriormente, a Convenção Europeia, que redigiu o texto do Tratado Constitucional Europeu, entre 2002 e 2003, chamou a si a ideia de dar forma a uma representação própria da União Europeia. Havia dois modelos de funcionamento: de um lado uma diplomacia europeia única, que superasse a dos Estados-membros, e do outro a preservação da actual separação entre Comissão e Conselho.

O modelo saído da Convenção, e retomado agora pelo Tratado de Lisboa, ficou no meio-termo. Agrega, por um lado, os serviços de acção externa do Conselho Europeu e da Comissão Europeia e incorpora, por outro, os diplomatas dos Estados-membros. Está sob a alçada do Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança que, por seu turno, assume as competências de acção externa que se encontram hoje divididas entre o Conselho e a Comissão.

As duas almas da política externa europeia

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Nos 16 anos de protagonismo internacional desde a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, em 1993, a União Europeia desempenha cada vez mais papéis, embora não todos os que seriam de esperar, atendendo à sua dimensão e peso político e económico internacional.

A política externa europeia tem duas almas: uma, económica e humanitária, gerida segundo o modelo comunitário, e outra, de carácter político intergovernamental. A primeira funciona bastante bem, mas a segunda não. Para se conseguirem resultados mais expressivos, é necessário um salto qualitativo e uma alteração de modelo que englobe, à partida, o Serviço Europeu para a Acção Externa (SEAE), imprescindível para a resolução das questões de unidade, falta de coesão e visibilidade e pouca consistência e eficácia.

Segundo o novo Tratado da União Europeia, este Serviço Europeu será instituído por decisão do Conselho, que se pronunciará a pedido do Alto Representante, com consulta prévia ao Parlamento Europeu e aprovação prévia pela Comissão Europeia. Esta complexidade é de grande importância política porque, contra o que é hábito na política europeia, os chefes de Estado e de Governo deixam de ter a última palavra. É pois de importância vital o candidato escolhido para ocupar este cargo.

Modelo comunitário ou intergovernamental?

Na última semana, foram tornados públicos distintos modelos. O Parlamento Europeu aprovou, no dia 22 de Outubro, uma resolução baseada no Relatório Brok, considerado maximalista, que pretende a aplicação definitiva da filosofia comunitária à Política Externa de Segurança Comum (PESC). Propõe um Serviço Europeu com um desenrolar progressivo, integrado na estrutura administrativa da Comissão, embora com autonomia administrativa e orçamental, que integre todas as antigas delegações da Comissão para configurar as Embaixadas da UE.

A segunda posição resulta de um relatório elaborado pela presidência sueca. De pendor intergovernamental, defende a separação dos assuntos comunitários e intergovernamentais, mantém as actuais delegações da Comissão Europeia e estabelece um SEAE como órgão único, que se ocupe exclusivamente da PESC e da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD) e dos assuntos gerais das Relações Externas, embora a Comissão mantenha as suas competências executivas em matéria de comércio, desenvolvimento, alargamento e vizinhança.

Um marco da construção europeia

Entre estas duas posições, terá de haver um consenso, tendo em conta que o Parlamento será ouvido, nomeadamente porque irá ter de aprovar proximamente o Alto Representante, sob proposta da Comissão e do Conselho e a Comissão, sendo lógico que os eurodeputados lhes exijam que velem pelos interesses do Parlamento, como condição sine qua non para a sua nomeação. Aplicar-se-á uma estratégia de integração progressiva no Serviço Europeu das diferentes atribuições, unidades e recursos humanos.

Finalmente, será necessário descobrir no resultado qual a essência ou a alma, se prevalece o intergovernamental ou o comunitário, se se cumpre o objectivo de reforçar a presença internacional europeia e se será um dos grandes marcos da construção europeia, equivalente ao mercado interno ou ao euro.

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