Depois do Afeganistão, o Iraque. No dia 23 de outubro, o site WikiLeaks, retomado pelos jornais The New York Times, Le Monde e The Guardian e a revista Der Spiegel, publicou mais de 400 mil documentos secretos do exército norte-americano sobre a sua presença no Iraque desde a invasão de 2003.
“É a guerra no quotidiano, vista da rua, do ponto de controlo, relatada de forma lapidar, sem emoções, pelo soldado redator”, observa Le Monde. "É o relato da banalidade da violência em tempo de guerra e de ocupação”. O diário francês concorda que “os relatórios traduzem apenas uma verdade parcial”. Não contêm “nada sobre a detenção do ditador derrubado, Saddam Hussein. Nada sobre a morte do chefe da Al-Quaida no Iraque, o jordano Abu Mussab Al-Zarquaui”.
Valeu a pena?
Der Spiegel, recorda, na primeira página, que, após 100 mil mortes, continua a “não haver paz”, e interroga-se: “Isto valeu a pena?” No entanto, relativiza De Volkskrant, estes documentos “completam a historiografia da guerra no Iraque, mas não levam a uma nova redação de toda a história. Visto deste ângulo, o interesse do furo da WikiLeaks é limitado”. O diário horlandês, a exemplo de grande parte da imprensa europeia, é aliás bastante crítico em relação à iniciativa do site dirigido por Julian Assange. “Para este site de revelações um tanto obscuras, a publicação de informações sensíveis parece ter-se tornado um fim em si”, acusa De Volkskrant. “O Wikileaks diz que garante o anonimato das suas fontes”, mas “dá os nomes exatos do pessoal de segurança iraquiano [que tem cometido violações], arriscando a que se gerem represálias contra eles. O Wikileaks assume, pois, em certa medida, fazer justiça por suas mãos”.
“O WikiLeaks preocupa-se, sobretudo, em divulgar apenas um lado da história: o das forças que tentam extirpar a tirania no Iraque e não o das que tentam restaurá-la”, critica The Times. O diário londrino lamenta que “em nenhuma parte da autopromoção egoísta do Wikileaks se encontre um esclarecimento sobre o que a organização faz pela nação iraquiana e o que espera conseguir. Esta organização não tem um comportamento neutro, que sirva o interesse público. Os seus membros tomam partido e intervêm nas questões de segurança das democracias ocidentais e dos seus aliados, sem terem em consideração a vida humana”.
Os horrores já não se podem esconder
Aliás, interroga-se o Frankfurter Allgemeine Zeitung, esta publicação em massa “é ‘a verdade sobre a guerra’ há tanto anunciada ou apenas um recorde absurdo?”. “Quatrocentos mil documentos, novos aliados e um enorme eco mediático colocam a questão de saber como o Wikileaks vai continuar”, observa o diário conservador. E recorda que o Wikileaks foi criticado pela sua prática, que “consiste em basear-se prioritariamente em fontes americanas e bloquear contribuições de informadores anónimos, deixando o site inacessível durante meses". “ Apesar de tudo, considera o Berliner Zeitung, “o Wikileaks presta um serviço à democracia”, porque leva-a a confrontar-se de forma crítica com as suas horas mais sombrias. “De resto, na China, o Governo alarma-se com a anunciada criação de um WikiLeaks local.”
Para o Financial Times, “os governos deveriam ter presente que a revolução da informação que gerou o WikiLeaks não pode ser evitada. A tecnologia torna sempre mais difícil proteger a população das consequências dos conflitos armados. O tempo em que era possível esconder os horrores já passou”. “Maior transparência poderia tornar mais difícil entrar numa guerra. Mas isso quer dizer que a opinião pública terá de admitir suportar as exigências das guerras que aceita”, previne o diário económico. Uma opinião partilhada, na Dinamarca, pelo diário Politiken, para o qual “*a decisão de entrar em guerra – e não estamos a falar de uma guerra defensiva – é tão séria e pode ter
consequências tão horríveis que tem de ser possível testá-la a todos os níveis*”.