O Mediterrâneo é uma vala comum. Desde o início do ano, já lá morreram 1.820 pessoas. Eram refugiados a caminho da Europa e morreram de sede sobre a água, afogados no alto mar ou perto da costa de Lampedusa, congelaram na frieza da política europeia para os refugiados.
A ilha de Lampedusa é uma jangada de salvação no Mediterrâneo para os que fogem dos seus países. Muitos nunca a alcançam; e para aqueles que o conseguem, não é grande ajuda. São recambiados. A maior parte dos refugiados eram imediatamente embarcados de regresso ao lugar de onde vinham. A parte da política europeia para os refugiados que funciona melhor é, de facto, a política de repatriamento. Sempre que se percebe que os velhos acordos podem ser assinados de novo, e rapidamente, com os novos governos do norte de África, os ministros dos negócios estrangeiros e da administração interna dos países da UE congratulam-se. Os acordos de repatriamento encaixam perfeitamente no lema “longe da vista, longe do coração”.
Gastam-se grandes somas para garantir que o ‘asilo’ esteja exatamente no local de onde os refugiados vêm, mas ninguém se preocupa muito com o que depois acontece aos deportados. Como Poncius Pilatus, lavam-se daí as mãos.
A Europa protege as suas fronteiras, mas não os refugiados. Os que morrem são vítimas de falta de assistência. Foi assim que 25 jovens acabaram de morrer sufocados por gases de escape do motor de um barco, quando iam da Líbia para Itália. A morte no Mediterrâneo tornou-se uma rotina assustadora, aceite como um destino a que não se pode fugir. A Europa aceita com resignação estas mortes no Mediterrâneo, a que os romanos chamavam filosoficamente Mare Nostrum, com medo de que a prestação de socorro possa atrair ainda mais refugiados. A ajuda oferecida é considerada como um encorajamento à fuga. Esta é a razão pela qual a marinha não enviou navios de apoio para socorrerem as pessoas nos barcos que deixavam entrar água; esta é a razão por que não existem programas europeus de assistência e receção. Goste-se ou não, a morte no Mediterrâneo faz parte de uma estratégia de dissuasão.
A Frontex, a agência europeia que coordena as ações dos estados membros ao longo das fronteiras, tem a responsabilidade de intercetar os refugiados, mas não a de os ajudar. As patrulhas aéreas e terrestres da Frontex obrigam os refugiados a optarem por rotas ainda mais perigosas para lhes escaparem. O papel da Convenção de Genebra para os Refugiados, que acaba de completar 60 anos, encheu-se de rugas. E a promessa de que a União Europeia seria um espaço de liberdade, segurança e justiça só se aplica aos povos europeus.
Quando a organização alemã para ajuda aos refugiados, Pro Asyl, foi criada há 25 anos, a maioria dos refugiados chegavam da Europa de leste. Fugiam às ditaduras socialistas ou às guerras na Jugoslávia, que se desintegrava, e pediam asilo na Alemanha. Nas palavras do Presidente da Pro Asyl, Juergen Micksch, os refugiados eram ‘arautos’ do colapso iminente do bloco soviético. A situação hoje é semelhante. Os migrantes deslocados do sul são os mensageiros de tumultos políticos, culturais e sociais. Os estados membros da UE, no entanto, continuam a tratar os Estados, durante e depois dos distúrbios, da mesma forma que antes destes. As primeiras negociações com os novos regimes tinham como objetivo levá-los a assinar acordos de repatriamento. Serão realmente estes os interesses mais prementes das democracias europeias? É esta a imagem que a Primavera árabe deve reter da UE e da sua democracia: um grande acontecimento exclusivo e autossuficiente?
O que está a acontecer diariamente no Mediterrâneo começou exatamente há vinte anos quando, em agosto de 1991, chegaram às costas do sul da Itália barcos com refugiados da Albânia. Foram perseguidos pela polícia nas ruas de Bari e detidos no recinto desportivo. Quase não havia pão e água, nem sequer para as mulheres e crianças. Um estado inteiro entrou em pânico. Foram enviadas unidades militares para patrulharem o mar Adriático e intercetarem os refugiados que já tinham desembarcado. Nessa altura, a resposta dada por Itália foi considerada uma loucura. No entanto, foi a partir dessa loucura que a estratégia da UE se desenvolveu.
A Europa tem que parar de tentar erigir uma nova Cortina de ferro. Tem que oferecer proteção aos perseguidos e dar uma hipótese de sucesso aos migrantes. A Europa sem humanidade não é a Europa.