Há já alguns anos que o concurso da Eurovisão se tornou numa plataforma de confrontação político-musical. Basta lembrar o cartão vermelho de Moscovo à participação da Geórgia no Concurso de 2009, devido à canção de título no mínimo provocatório "We don’t wanna put in", numa alusão ao omnipotente dirigente russo [o título pode ser entendido como "Não queremos Putin”]. Este ano, as tensões são igualmente palpáveis: a Arménia recusou-se a participar devido a contenciosos políticos com o país anfitrião, o Azerbaijão [sobre a região do Alto Karabakh].
Quanto ao Montenegro, arranjou um estratagema original: tornar a sua participação no Festival da Eurovisão – um acontecimento assistido por 160 milhões de telespetadores [que decorre, este ano, entre 22 e 26 de maio] – num trampolim para promover a sua economia. Depois de um ano de ausência, devido à recessão, os montenegrinos regressam agora decididos a promover o seu turismo, setor-chave da economia, que lhes rendeu cerca de 670 milhões de euros no ano passado.
A canção que representa o Montenegro, “Euro neuro”, de batida moderna e muito provocadora, cantada num universal Inglês e, a espaços, em Alemão, permite ao seu intérprete, Rambo Amadeus, expressar a sua visão sobre as relações entre os países dos Balcãs e a União Europeia.
Nesta produção turbo-funk, típica de Rambo, gravada em Liubliana e dirigida pelo cantor e compositor esloveno Magnifico, também ele muito dado ao humor, Rambo enumera, num Inglês arranhado, o que o novo homem dos Balcãs, moderno e pró-europeu, pode oferecer à Europa em que se empenha em entrar… em cima de um jumento!
Alusão à crise da zona euro
No videoclip, realizado com muito humor pelo artista esloveno Miha Knific, desfilam as belezas turísticas do Montenegro, a par dos estereótipos que os turistas têm dos Balcãs, como seja a boa comida, a vida noturna e as raparigas atraentes, com que Rambo se diverte numa piscina, na companhia do inevitável burro. No final do vídeo, há mesmo uma alusão à crise da zona euro. Rambo joga habilmente com a ironia a vários níveis. Por um lado, escarnece dos estereótipos dos Balcãs e, por outro, dos estereótipos europeus sobre a região. A produção teve o apoio da televisão nacional, da Secretaria de Turismo e do Sindicato dos Viticultores montenegrinos. Mas podia muito bem ter sido financiada pela União Europeia, porque não?
Considerando a atitude de Rambo em relação à Eurovisão e à cultura fútil em geral, o sarcasmo não é nada surpreendente. Mas o cúmulo da ironia surgiu num programa televisivo a propósito da sua participação no concurso. No debate diplomático-político que se seguiu, Rambo deparou-se com um apoiante inesperado: Leopold Maurer, o chefe da Delegação da UE no Montenegro. Maurer declarou considerar que a canção ilustra de forma instrutiva o ambiente das negociações entre a UE e o Montenegro, e prometeu passá-la aos seus colaboradores em Bruxelas, "para que vejam qual é a perceção que a Europa tem dos Balcãs". Rambo respondeu-lhe, no seu estilo gozão, que, se a canção lhe agradava tanto, podia meter uma cunha e fazer com que ganhasse o Festival.
Na verdade, a canção não está talhada para ganhar. Independentemente disso, o estratagema montenegrino pode levar a outra utilização do concurso da Eurovisão. Já que a qualidade musical deixou de importar, o Festival Eurovisão da Canção pode pelo menos servir para fazer publicidade a alguns países. Neste sentido, os montenegrinos foram certeiros.