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Hegemonia a contragosto

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Determina a ordem de trabalhos das cimeiras europeias, define as regras destas, deixa na expectativa todo o continente e acaba por impor a sua vontade. Com a crise do euro, a Alemanha ficou sozinha à frente da União. Mas estará à altura desse novo papel?

Publicado em 3 Novembro 2011

Quando se trata do poder político, agimos como em relação a uma conta bancária de vários milhões de euros: não se fala nisso. É nosso e pronto. Durante décadas, a Alemanha desempenhou bem o seu papel – poderosa mas sem nunca falar muito sobre o seu poder. E todos os Governos alemães foram mestres na arte de passarem despercebidos no plano político. Mas isso acabou. Hoje, a influência da Alemanha dá que falar.

Dá que falar em Bruxelas, nestas semanas dramáticas. A Alemanha quer apertar ainda mais as rédeas aos gregos?, perguntamos a um representante de um pequeno país da UE. Este respira fundo e responde: "A chanceler é uma mulher muito poderosa". E nem mais uma palavra. Na opinião de uma diplomata italiana, Angela Merkel é poderosa não apenas porque representa o maior país da UE mas, "também, porque é o chefe de Governo mais sério e os outros têm medo dela". Romano Prodi teria dito que, na Europa, "é a lady quem toma as decisões e, depois, o Presidente francês dá uma conferência de imprensa para as explicar".

O salvamento do euro poderia depender inteiramente da Alemanha, porque é a única economia que parece suficientemente forte para amparar os outros países. Desde o verão de 2009, desde que o resto da zona euro vai mergulhando cada vez mais na crise, o poder económico da Alemanha tem-se reforçado: o seu PIB cresceu cerca de 7% e as suas exportações mais de 25%.

Os cargos mais importantes eram para os franceses

No entanto, a Alemanha exerce esta hegemonia contra vontade. Não está preparada para desempenhar este papel e, aliás, nunca aspirou a desempenhá-lo. Fabricar automóveis e máquinas de qualidade faz parte da imagem que a Alemanha tem de si mesma. E quanto a desempenhar o papel de ponta de lança na cena internacional? O salvamento do euro não exige apenas da Alemanha mais do que esta quer: exige também mais do que esta pode.

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O termo "hegemonia" vem do grego hegemon, que significa "dirigente" ou "chefe". Ainda hoje, os mais velhos sentem um arrepio na espinha quando ouvem falar em supremacia alemã. A História fez com que a Alemanha tenha forçado a unificação europeia, sem ocupar um lugar de primeiro plano. Mais tarde, após a reunificação, a Alemanha soberana dissimulou o seu poder na união monetária. A criação do euro fez-se segundo os seus desejos. Mas a Alemanha renunciou a ocupar cargos importantes. Esse era um assunto mais da área dos franceses.

Durante muito tempo, a França desempenhou o papel de primeira potência, enquanto a Alemanha se distinguia no plano económico. Mas, presentemente, a França poderá vir a tornar-se também um problema na zona euro.

Segundo as sondagens, dois terços dos alemães não sentem o efeito direto da crise do euro. Em França, passa-se o inverso e o facto não é de espantar, visto que há falta de emprego no país. Desde 2000, só no setor industrial, foram suprimidos 500 mil postos de trabalho e o desemprego ronda hoje os 10%.

A dupla franco-alemã é uma "ficção de favor"

A velha regra segundo a qual, sem a França, a Alemanha não pode fazer muito na UE, talvez ainda seja válida hoje. Mas as condições em que os dois parceiros atuam mudaram. E os franceses precisam desesperadamente dos alemães – mais do que o inverso. A antiga dupla franco-alemã não passará agora de uma "ficção de favor", ironiza o Financial Times.

A Alemanha desempenha de facto o papel principal na Europa. Contudo, ninguém se torna um bom líder, por impor a sua posição, ao cabo de negociações longas e duras. Um bom líder age rapidamente – no momento em que o outro precisa de ser socorrido e não quando a situação se torna perigosa para ele mesmo. Um bom líder tem uma noção clara daquilo que deve ser.

Aliás, será a Alemanha capaz de fazer o que deve – mas não quer – fazer? A República Federal tornou-se tão forte, a nível externo, porque parece fraca e paralisada, a nível interno. Enquanto, em Bruxelas, se luta pelo futuro do euro, a Alemanha envolve-se em querelas internas entre o Bundestag e o Bundesrat, a coligação e a oposição, o Governo e o Parlamento.

Isso foi visível no debate sobre o reforço do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, que ocupou a Alemanha durante 15 dias. Enquanto a CSU tem crises periódicas de histeria, para compensar a sua perda de influência, o FDP, o outro parceiro da coligação, move céus e terra para não desaparecer por completo. Em condições normais, a opinião pública e a oposição são os adversários mais perigosos de um governo. Hoje, na Alemanha, o pior inimigo da coligação é, em termos gerais, a própria coligação.

A letargia alemã é insuportável para a Europa

O sistema da República Federal que, historicamente, foi concebido para se limitar e controlar a si mesmo e travar o poder irrita todo o continente: a letargia alemã é insuportável para a Europa, que é obrigada a esperar pelas decisões do Bundestag, do FDP ou da CSU – ou de uma qualquer votação regional. Internamente, pede-se ao Governo que encontre um compromisso entre eficácia e democracia; que deixe participar o Parlamento, que tem uma palavra a dizer. Externamente, nas cimeiras europeias, o Governo federal parece estar de mãos e pés atados.

Há outros países que têm um tribunal constitucional, um sistema federal ou um sistema de representação proporcional que coloca no poder governos de coligação. Mas nenhum tem os três ao mesmo tempo e são raros aqueles dos quais dependem tantas coisas.

Não é apenas a meticulosidade alemã que irrita os europeus. É também a ideia de que os alemães só usam essa meticulosidade em proveito próprio. Qual é a relação com a democracia grega? Durante quanto tempo irão os gregos aceitar terem eleito dirigentes que não têm a capacidade nem o direito de tomar decisões? Como pode a Europa ser popular, se a democracia se encontra em stand by? Nestes tempos de crise, estas questões caem no esquecimento. Acontece que hegemonia significa também assumir compromissos pelos outros.

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