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Vem lá chuva. No sítio arqueológico de Pompeia, perto de Nápoles, várias ruínas romanas colapsaram recentemente.

A austeridade poderá corroer a História da Europa?

Com os Ministérios da Cultura forçados a cortar gastos, uma das vítimas dos orçamentos de austeridade pan-europeus é o património cultural europeu. Mas, se queremos salvar Pompeia e outros locais e monumentos de valor inestimável, a política do património e a forma como o dinheiro é gasto, podem estar a precisar de um abanão.

Publicado em 6 Dezembro 2010 às 16:13
Vem lá chuva. No sítio arqueológico de Pompeia, perto de Nápoles, várias ruínas romanas colapsaram recentemente.

O vão em arco do portal de entrada é quase tudo o que resta, intacto, da igreja de São Pedro em Becerril del Campo, na província central de Palência, em Espanha. A cobertura quase não existe. No interior, cheio de lixo, cai água. "A deterioração da nave aumenta de dia para dia e praticamente todos os ornamentos e abóbadas barrocas já desapareceram", relata a associação de defesa do património Hispania Nostra.

No começo deste ano, na costa do Mediterrâneo, na ilha grega de Kea, uma torre do século IV a.C., em relação à qual o serviço arqueológico local, fizera repetidos avisos, ruiu parcialmente diante dos olhos da população local.

Esta semana, o desmoronamento de muros em Pompeia foi motivo de notícias em todo o mundo. Mas os casos da igreja de Castela e da torre na ilha do Mar Egeu vêm recordar que Pompeia não é o único local do sul da Europa onde tesouros arqueológicos, culturais e históricos se encontram em risco.

Tradicionalmente, a falta de manutenção tem sido resultado da desproporção entre o vasto património cultural do sul da Europa e os recursos comparativamente limitados de que dispunham os Governos da zona. A Itália tem mais locais classificados como património mundial pela UNESCO do que qualquer outro país e a Espanha vem logo a seguir.

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Cortes na cultura do Atlântico ao Egeu

Mas, hoje, ao fim de várias décadas de prosperidade relativa e aumento de financiamentos, esta área enfrenta uma nova ameaça: do Atlântico ao Egeu, os Governos estão a cortar os orçamentos dos seus Ministérios da Cultura e do património, numa tentativa de re-equilibrar as finanças públicas e conter os défices.

As estatísticas estão extremamente emaranhadas neste domínio: as despesas com o património são em muitos casos agregadas a financiamentos para as artes e, em especial em Espanha, o financiamento para preservação depende de vários departamentos governamentais. No entanto, é o caso de Portugal, onde as coisas estão mais centralizadas, que dá uma ideia mais precisa da dimensão dos cortes: o orçamento de austeridade para 2011, aprovado na semana passada, reduziu em 9% as despesas com a cultura.

Em Espanha, os grupos de defesa do património, dizem que o financiamento para a cultura em algumas regiões já foi reduzido em um terço. Ao mesmo tempo, a explosão da bolha do imobiliário do país levou consigo uma importante fonte de financiamento para a conservação de edifícios antigos – as licenças pagas pelos construtores que queriam erguer novos edifícios. "Como esse dinheiro não entra, os governos locais argumentam que têm de gastar dinheiro com as pessoas e não com edifícios", diz o arquiteto e defensor do património Javier Ruiz.

No mês passado, museus, galerias de arte e locais classificados de Itália fecharam por um dia, devido a uma greve de protesto contra o projeto do Governo de retirar 280 milhões de euros do orçamento do Governo central para a cultura ao longo dos três próximos anos. A presidente do grupo de defesa do património Italia Nostra, Alessandra Mottola Molfino, classifica esse corte de "golpe mortal contra o nosso património". Mas terá de ser assim?

Faltam sistemas de gestão com capacidade de resposta

Na Grécia, que se encontra no centro da crise da dívida europeia, o Ministério da Cultura anunciou esta semana que ia recorrer a Bruxelas para compensar esse défice, solicitando 540 milhões de euros para reabilitação de locais arqueológicos e monumentos e para remodelação de museus, muitos dos quais foram obrigados a fechar por causa da crise.

Por toda a parte, há quem defenda que a crise deveria funcionar como incentivo a maior eficiência por parte das autoridades e para um envolvimento mais construtivo do setor privado. "Não tem a ver com dinheiro", diz Roger Abravanel, escritor e defensor do mercado livre, residente em Milão. "Aqui não há curadores profissionais – pessoas que não só sabem de cultura mas, também, de como a tornar acessível ao público. Em Itália, temos um modelo completamente diferente, no qual as autoridades subcontratam empresas que organizam exposições."

Um defensor do património que pediu para não ser identificado disse que Pompeia não tem falta de fundos. "Desde 1997, [a agência do Governo central que gere o local] tem tido bastante dinheiro, porque fica com as receitas dos bilhetes. Mas não possui sistemas de gestão com suficiente capacidade de resposta. O pessoal está sob a responsabilidade direta do Ministério, em Roma, e esse sistema é rígido. Em 20 anos, não houve renovação e, por isso, há responsáveis que trabalham segundo linhas de orientação para o património que datam dos anos 1970."

Coliseu precisa urgentemente de restauro

A crise está igualmente a pôr em destaque a frequentemente desconfortável relação entre Governo e setor empresarial, existente na Europa do sul. No entanto, envolver as empresas é difícil desde há muito. Durante muitos anos, supôs-se que isso acontecia porque a Itália não oferecia os generosos benefícios fiscais disponíveis para promitentes mecenas nos países de língua inglesa.

Alessandra Mottola Molfino diz que as novas regras introduzidas nos últimos 10 anos poderiam ser simplificadas. Mas, como muitas outras pessoas no sul da Europa, desconfia de iniciativas do Estado no sentido de entregar ao mundo empresarial a responsabilidade pela preservação do património cultural do país. "Devia ser um dever e uma honra", diz. A ideia de que a conservação do património é essencialmente uma tarefa do Governo também parece estar difundida entre os líderes empresariais, que, além disso, viram as suas receitas reduzidas pela crise económica mundial.

No sul da Europa, não deve haver um monumento mais famoso do que o Coliseu. Mas, tal como muitos outros edifícios do período romano, o Coliseu precisa urgentemente de ser restaurado. No verão passado, prevendo os cortes que estavam para vir, o ministro da Cultura italiano anunciou que procurava propostas de patrocínio parcial de um programa de obras no valor de 25 milhões de euros. Diego Della Valle, o patrão da Tod's [artigos de luxo em cabedal], foi o primeiro magnata a dar um passo nesse sentido. Na quinta-feira, verificou-se que fora o único. Corajosamente, Della Valle anunciou que a sua empresa pagaria o total da fatura. Senão, disse, a Itália corre o risco de ter "outra Pompeia".

Austeridade

Orçamentos para cultura em alta

Contrariamente ao que aconteceu na Holanda e em Itália, onde nas últimas semanas tiveram lugar manifestações de protestos contra os cortes no orçamento da cultura, não houve protestos no Reino Unido, onde todos os setores são afetados pelas medidas de austeridade, escreve De Standaard. Apesar da recessão dos últimos anos, de facto, o setor cultural registou um crescimento superior ao da economia (5% contra 3% por ano) e as visitas às instituições culturais aumentaram (41% em 8 anos). Na Alemanha, acrescenta o seu congénere holandês Trouw, as despesas do Estado federal aumentaram no ano passado, apesar das dos municípios e dos Länder (regiões) terem baixado. O mesmo aconteceu em França, onde o orçamento da cultura para 2011 subiu 2,1% em relação a 2010. Um aumento que beneficia, sobretudo, o audiovisual, a parcela atribuída aos museus sofreu uma redução de 5%.

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