Membros da Academia de Ciências búlgara manifestam-se contra os cortes orçamentais em Sófia, novembro de 2010

A grande desilusão

Afastados do euro e do espaço Schengen, ainda conotados com o crime organizado, os búlgaros entram em 2011 sem um projeto político capaz de os mobilizar.

Publicado em 12 Janeiro 2011 às 23:00
Membros da Academia de Ciências búlgara manifestam-se contra os cortes orçamentais em Sófia, novembro de 2010

No seu discurso de ano novo para 2011, o Presidente Georgi Parvanov tentou incutir um pouco de entusiasmo na melancolia reinante: colocou a realização das ambições nacionais acima dos mandatos e dos partidos políticos. Bastava-lhe apenas definir uma ambição, para que o seu duplo mandato, que termina este ano, pudesse ser recordado. Mas o apelo foi fraco. O chefe de Estado limitou-se a repetir-nos ao ouvido frases e temas conhecidos há dez anos.

Depois da adesão da Bulgária à Aliança Atlântica [2004] e à União Europeia [2007], o nosso país carece desesperadamente de grandes causas nacionais, objetivos capazes de mobilizar a sociedade em torno da esperança de que esta maldita transição, encarada como uma crise interminável, chegue ao fim. A ilusão de que os estados mais ricos e bem geridos da UE iriam ajudar-nos a re-encontrar o bom caminho ainda era forte no ano passado, quando a Bulgária vivia na esperança de aderir à zona euro e ao espaço Schengen de livre circulação. No início de 2010, as nossas ambições relativas ao euro foram adiadas, e, no final do ano, fomos também afastados do espaço Schengen. E agora, que fazemos?

Um corpo muito musculado com uma cabeça vazia

Pela primeira vez neste longo período de transição, o nosso país entra num novo ano sem saber para onde vai. A Bulgária continua a combater o défice orçamental na tentativa de o reduzir para menos de 3% do PIB - que é um dos requisitos fundamentais da zona euro. Pode até conseguir, se o Governo der o golpe de misericórdia no sistema de saúde, na educação, na investigação e... nos pobres. Será o único país a submeter-se ao primeiro "semestre europeu" [o novo instrumento de análise orçamental que permite supervisionar o orçamento dos estados membros] com um orçamento feito por medida para a sua polícia, exército, serviços de informação e juízes. Mas para nada mais. Pelo menos, no escrutínio orçamental, o nosso país será então visto como uma espécie de curiosidade: um corpo muito musculado com uma cabeça oca, o que corresponde à imagem da sua elite política.

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Em relação a Schengen, Sófia pretende manter a ilusão até ao fim, apesar do veto imposto à Bulgária por dois dos maiores amigos do primeiro-ministro Boyko Borisov na UE: o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, e a chanceler alemã, Angela Merkel. A esperança é a última a morrer... até março, a Bulgária vai continuar a "cumprir os requisitos técnicos" e vai fingir ultrapassar os obstáculos humanos e políticos, até setembro. As condições técnicas resumem-se à compra maciça de tecnologia ocidental de vigilância e controlo das fronteiras, com fundos desses mesmos países ocidentais. Portanto, isso não deverá constituir problema.

Pôr atrás das grades os chefes do crime organizado

As outras condições, acrescentadas à última hora pela França e pela Alemanha, são muito mais complicadas de satisfazer. Consistem em colocar “atrás das grades” os chefes do crime organizado na Bulgária, os mesmos que organizam o contrabando de cigarros e bebidas alcoólicas, armas, drogas e imigrantes clandestinos. Deverão juntar-se a eles, na prisão, antigos e atuais altos funcionários (incluindo os "colegas" do ex-polícia Borisov) culpados de terem “fechado os olhos” ou mesmo participado nesse contrabando. Como nos outros anos, a Comissão Europeia irá pronunciar-se sobre estas condições em duas ocasiões: no relatório intercalar, em fevereiro, e no relatório anual, em julho. Em setembro, o Conselho de Justiça e Assuntos Internos (JAI), dirá se concorda com as conclusões da Comissão. A julgar pelos quatro últimos anos, serão certamente aprovadas.

Nessa altura, Borisov decidirá desistir do espaço Schengen, a não ser que entretanto se encha da nobre ambição de apanhar e prender os criminosos, incluindo aqueles que afirmam ser seus amigos. Não deverá contentar-se em apanhá-los, terá também de tornar públicas as suas cumplicidades com os três níveis do poder: executivo, legislativo e judicial. Só então estes bandidos poderão ser verdadeiramente julgados e condenados.

Mas é pouco provável que o atual Governo seja animado por ambições tão nobres, e deveríamos, desde já, fazer uma cruz sobre o espaço Schengen. Então, que objetivos nos restam para 2011? Na verdade, poucos. A menos que acreditemos nas palavras do Presidente Parvanov e tentemos convencer-nos de que a nossa vida não é assim tão má, e que o nosso país não é certamente "o lugar mais triste da terra" [recentemente, a revista The Economist colocou a Bulgária no último lugar de uma lista ordenada em função da relação entre o rendimento médio e a felicidade dos cidadãos, a nível mundial].

Criminalidade

Um presente para as máfias

O adiamento da adesão da Bulgária e da Roménia ao espaço Schengen é o "melhor presente" que o Pesidente francês, Nicolas Sarkozy poderia dar...às máfias nos dois países, diz o Sega. "São, certamente, os grupos representantes do crime organizado quem prefere que a Bulgária e a Roménia permaneçam na periferia da União Europeia, numa espécie de zona cinzenta. Ao relacionar a questão de Schengen com a sua perspicácia, Nicolas Sarkozy, dá-lhes uma excelente motivação para continuarem a trabalhar contra a integração europeia. Quanto mais ativos forem, menos estes dois países conseguirão satisfazer as condições de Bruxelas. A corrupção não suporta a luz, e a europeização das fronteiras nacionais tê-los-ia colocado sob os holofotes de todos os países da UE, incluindo a França."

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