A chanceler alemã Angela Merkel e o primeiro-ministro irlandês Brian Cowen numa conferência de imprensa em Berlim, Dezembro de 2008. (AFP)

A Irlanda devia votar "sim", pela Alemanha

Os alemães vão às urnas no fim deste mês. O resultado provável – a vitória da Chanceler Angela Merkel – destaca o motivo pelo qual os eleitores irlandeses devem apoiar o Tratado de Lisboa, quando forem às urnas, cinco dias mais tarde.

Publicado em 23 Setembro 2009 às 16:47
A chanceler alemã Angela Merkel e o primeiro-ministro irlandês Brian Cowen numa conferência de imprensa em Berlim, Dezembro de 2008. (AFP)

Angela Merkel é, sob muitos aspectos, uma Chanceler pioneira. É a primeira alemã de Leste e a primeira mulher a chefiar os destinos da Alemanha mas – e isso é o mais importante – é a primeira líder alemã que não viveu directamente a terrível História da Alemanha.

Os seus antecessores, homens como Helmut Kohl e Helmut Schmidt, viveram a guerra e esse facto motivou-os para a criação da Europa que hoje conhecemos. Esse apoio ardente ao projecto europeu incluiu os países mais pobres como o nosso e permitiu-nos criar a Irlanda moderna. Apesar de consciente do passado da Alemanha, a Chanceler Merkel não partilha o interesse ardente de Kohl pela UE – e o mesmo de pode dizer de todos os seus possíveis sucessores.

Em resumo, a Alemanha está a tornar-se rapidamente um país normal e os países normais fazem aquilo que nós sempre fizemos: cuidam da própria casa. Para quem tenha dúvidas, basta olhar para as relações da Alemanha com a Rússia. Angela Merkel cortejou resolutamente o vizinho gigante, para assegurar o abastecimento de gás à Alemanha. Dez anos atrás apenas, a Alemanha ter-se-ia sentido incomodada por agir isoladamente e teria procurado assegurar o abastecimento da Europa – objectando em simultâneo contra as acções da Rússia em locais como a Geórgia.

A locomotiva engasgada

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Hoje, a Alemanha defende os seus próprios interesses, de um modo idêntico ao usado pela França e pela Grã-Bretanha. Não é por acaso que se utiliza a palavra alemã "realpolitik" nas relações internacionais, para designar políticas baseadas em considerações de ordem prática e não de ordem moral ou ideológica.

O facto de a Alemanha ter voltado a ser um país normal é motivo para nos congratularmos. A Alemanha não é apenas a potência económica da Europa mas também uma potência militar e a sua ausência virtual da cena mundial dos assuntos internacionais deixou um vazio político, que, em alguns casos, foi preenchido por vizinhos falsos. Apesar de nos congratularmos com ele, este processo inevitável e irreversível também nos coloca perante alguns desafios, a nós, irlandeses. Se o outrora motor benigno da integração europeia está a vacilar, nós e outros países mais pequenos devemos assumir a dianteira ou, então, assistiremos à morte do projecto europeu.

Aqui, na Irlanda, já assistimos a alguns dos efeitos da nova atitude da Alemanha relativamente ao projecto europeu. Nos anos 1990, o Chanceler Khol, um político astuto e até um pouco arrogante e clientelista, do tipo a que estamos habituados aqui, teria concebido um pacote qualquer de subsídios agrícolas, para levar grupos de interesses cépticos como os agricultores a votar "Sim". Resumindo, teria tentado "comprar" o referendo ao Tratado de Lisboa com dinheiro e protocolos adicionais sem significado.

Desta vez, não houve esse tipo de incentivos financeiros: apenas um pedido gelidamente delicado de uma segunda votação, por parte do resto da UE. Os outros Governos nem se deram ao trabalho de dar cobertura à nossa Administração enquanto esta desenvolvia a campanha, embora não tenha deixado de ser evidente a sua irritação perante as nossas preocupações com questões "ilógicas" como o aborto e os conflitos militares.

A Europa já não está em piloto automático

Isto não é dizer que a Alemanha não fez nada para nos ajudar. Na verdade, foram as declarações da Chanceler Merkel, no princípio deste ano, ao dizer que a Irlanda seria salva em caso de colapso económico, que mudaram a nossa sorte nos mercados obrigacionistas e reduziram os custos dos empréstimos irlandeses. Apesar de poucos agradecimentos ter recebido deste país pela sua garantia, esta constituiu um ponto de viragem importante para a preocupante pressa do mundo em comparar a Irlanda com a Islândia e para a aposta na nossa sobrevivência.

Parafraseando John F. Kennedy, a responsabilidade transita para uma nova geração de alemães, nascidos depois da guerra, moldados por uma paz próspera e que não querem continuar a pagar pelos pecados dos seus pais. Esta realidade fulcral significa que a Europa deixou de estar em piloto automático e é por isso que nós, irlandeses, devemos prestar mais atenção ao projecto europeu. À medida que os alemães vão perdendo o entusiasmo, precisamos de nos tornar mais entusiastas ou aceitar que a Europa vacile e caia, numa altura em que estão em ascensão novas potências no Extremo Oriente.

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