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Provavelmente não. Manifestação contra a austeridade em Málaga (Espanha), a 29 de setembro.

A mobilização bloqueará o rigor?

As manifestações que pararam várias capitais europeias a 29 de setembro testemunham o receio dos trabalhadores europeus de terem de pagar o alto preço da crise económica. Chegarão para moderar as medidas de austeridade decididas em vários países? É duvidoso, responde a imprensa europeia.

Publicado em 30 Setembro 2010 às 15:33
Provavelmente não. Manifestação contra a austeridade em Málaga (Espanha), a 29 de setembro.

Na capital europeia, “confrontaram-se duas visões da Europa”: os responsáveis da Comissão Europeia, “partidários da austeridade”, e os “promotores de uma Europa baseada nos grandes investimentos que conduzirão, segundo os sindicatos, a um crescimento duradoro e a empregos de qualidade”, escreve [Le Soir](http://www.lesoir.be/). O diário de Bruxelas lembra, no entanto, “um inquérito publicado na segunda-feira pelo sindicato alemão IG Metall que tende a mostrar que “uma boa gestão financeira não é sinónimo de pleno emprego. Único país europeu que conseguiu escapar a uma enorme subida do desemprego, a Alemanha é hoje o palco de um grande número de contratos de trabalho precários. Uma tendência que atira para as calendas gregas o advento de uma Europa social”.

“Seria fácil qualificar sem importância as manifestações que, ontem, tiveram lugar em Bruxelas e um pouco por toda a Europa, afastando com um aceno de mão a raiva daqueles que não têm outra arma”, escreve The Guardian, segundo o qual “o secretário da Confederação dos Sindicatos Europeus, John Monks, tem razão ao afirmar que os “governos europeus deviam ouvir os trabalhadores da mesma maneira que ouvem os mercados e que o recurso à austeridade se pode transformar numa retoma frágil ou em estagnação”. O diário sugere, assim, aos governos que “oiçam os seus eleitores quando adotam medidas de rigor”.

O EUobserver decidiu quebrar o estereótipo segundo o qual os funcionários europeus são todos muito bem pagos, lembrando que “os secretários, os oficiais de justiça e os agentes temporários raramente ganham mais de 1400 euros e têm contratos a termo certo”. O que levanta problemas de recrutamento em alguns países, como o Reino Unido, a Suécia e a Alemanha.

Na Alemanha, justamente, o Tageszeitung estigmatiza a falta de participação dos trabalhadores alemães neste dia de manifestações europeias: “quando, na Europa inteira, as lutas sociais e as questões de redistribuição [de riqueza] estão na ordem do dia, apenas alguns ativistas [do Attac] protestaram na Alemanha”. O diário de esquerda sugere que os sindicatos, que representam seis milhões de trabalhadores, se mobilizem mais contra as reformas das pensões e dos subsídios de desemprego, em curso, em vez de “continuarem debaixo das saias da senhora Merkel”.

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Que resta ao europeu médio senão sair à rua?

Em Portugal, a central sindical CGTP, “mobilizou 70 mil pessoas” e “ameaçou com uma greve geral”, escreve o diário lisboeta Público, que cita um responsável da CGTP segundo o qual as medidas de austeridade recentemente decididas pelo Governo vão nessa direção. Anunciadas nesse mesmo dia, tais medidas preveem uma redução entre 3,5 e 10% dos salários dos funcionários públicos e um aumento do IVA, que passa de 21 para 23%. O diário sublinha, por outro lado, que “se os protestos mobilizaram milhares de pessoas em Portugal, Espanha [ver abaixo] e Bélgica”, em países como a Irlanda e a Grécia, “que estão confrontados com pesadas medidas de austeridade, as manifestações juntaram apenas algumas centenas de pessoas. É sintomático”, escreve o jornal: “lá, os desejos já foram esmagados pela dura realidade. Aqui, ainda não”.

Para De Volkskrant, as manifestações arriscam-se a não surtirem o efeito esperado junto dos governos que “não parecem impressionados” por elas e afirma que “as diferenças nacionais são demasiado importantes” para que “exista uma real solidariedade entre os trabalhadores europeus”. O seu concorrente de Roterdão, o NRC Handelsblad, compara os 100 mil manifestantes de Bruxelas ao movimento dos "Tea Parties" anti Obama, nos Estados Unidos, e qualifica a manifestação como um “gesto de impotência”, explicando que as medidas de austeridade não são culpa da UE, mas “dos países que gerem mal os seus orçamentos”, acrescentando que o projeto do euro “tem de ter sucesso”. Por isso, adianta, “os países devem assumir as consequências” do seu comportamento.

Na mesma linha, o jornal polaco Rczespospolita não poupa os grevistas: “as pessoas querem trabalhar o menos possível e ganhar o mais possível – de preferência para o Estado – e, ao mesmo tempo, querem que o Estado tome conta das suas despesas pessoais, do dentista à escola dos filhos. O quê? Não há dinheiro? Vamos buscá-lo aos banqueiros e aos administradores das grandes empresas! O défice do orçamento? Existe realmente? Os heróis do trabalho enviaram aos dirigentes europeus uma mensagem clara: ainda estão a tempo de deixarem de nos apertar o cinto”.

“Os próximos trinta anos poderão passar à posteridade como ‘os Trinta Calamitosos’”, conclui Le Soir, segundo o qual “face a esta perspetiva, a Europa está comprometida com a austeridade. Mas o que é que pode esperar o europeu médio, a quem se diz que a sua reforma será mais pequena e que os seus tratamentos médicos serão mais caros? E que, para que as empresas sejam competitivas e possam dar lucros suficientes para atraírem investidores, ele terá de trabalhar mais e ganhar menos? (...) A este europeu não lhe resta outra coisa senão sair à rua. Foi o que fizeram 100 mil pessoas, esta quarta-feira, em Bruxelas”.

Espanha

Greve quase geral

“A greve não foi geral”, titula La Vanguardia que, como o resto da imprensa espanhola, no dia seguinte ao da agitação que bloqueou parcialmente o país, sublinha o seu impacto limitado: “os sindicatos não conseguiram mobilizar o setor dos serviços nem conseguiram paralisar as cidades”. Pelo contrário, foram mais eficazes nas fábricas. Segundo eles, cerca de 70% dos trabalhadores aderiram à greve, enquanto “o Governo se recusou a entrar na discussão dos números”. “É a primeira greve a ter lugar num contexto de crise e a primeira contra o Governo de José Luis Rodríguez Zapatero", tradicionalmente próximo dos sindicatos. O diário conclui que “apesar da participação desigual na greve, os sindicatos responderam às reformas e aos cortes orçamentais que penalizam os mais pobres e reduzem os direitos dos trabalhadores”.

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