De manhãzinha, os clientes são raros nas ruelas lamacentas do "armazém ucraniano" de Przemysl, uma cidade de 65 000 habitantes atravessada pelo rio San, na região polaca dos Baixos Cárpatos, a 15 quilómetros da fronteira com a Ucrânia. Um vendedor de rosto corado e cabelos loiros desgrenhados prepara a sua banca. Sacos de chocolates com recheio ao lado de lanternas de bolso, lâminas de barbear e frasquinhos de gordura de ganso. "É bom para as úlceras. Vende-se nas farmácias de Kiev!", garante o vendedor.
Com a mão calejada, aponta para o rótulo, em cirílico. Este remédio milagroso, cigarros e a lendária "vodka da despedida" – tão forte que pode ser fatal – são praticamente as únicas mercadorias ucranianas à venda no armazém. Outro vendedor, parado em frente das bancas de roupa interior feminina fabricada na Turquia e na China, comenta: "Os ucranianos já não aparecem. Agora, só há comerciantes polacos aqui."
Depois da queda da União Soviética, em 1991, Przemysl e a sua floresta de torres de igrejas viveram abertas à vizinha Ucrânia. Açúcar, gasolina, telhas, álcool… Tirando partido das diferenças de preços, "formigas" dos dois países percorriam diariamente o carreiro, para vender as suas mercadorias de um ou do outro lado da fronteira, sem problemas administrativos. Era uma maneira de aumentar os rendimentos, nesta Polónia rural e pouco industrializada.
Um exercicio delicado em Medyka
Esse equilíbrio desapareceu em 2004. A entrada do país na UE fez de Przemysl uma zona estritamente controlada. Cidadela austro-húngara sitiada pelas tropas russas durante a Primeira Guerra Mundial, ocupada pelos exércitos soviético e alemão durante a Segunda, a cidade é agora a guardiã do templo europeu.
Agora existem quotas: é proibido entrar na Polónia com mais de dois maços de cigarros e um litro de vodka. Os ucranianos têm que pedir vistos para atravessarem a fronteira. Inicialmente, o visto era gratuito mas passou a ser pago em 2007, quando Varsóvia integrou o espaço Schengen. E também é mais difícil obtê-lo.
Porque, agora, um tampão para a Polónia é válido para toda a União. Contudo, para os cidadãos polacos, as regras não mudaram: basta terem passaporte para entrarem na Ucrânia.
Fazer o papel de sentinela de Schengen, é uma tarefa delicada para a Polónia, que não quer comprometer a relação fraternal com a Ucrânia. As histórias dos dois países estão ligadas. Na Polónia, vive uma minoria ucraniana e, na Ucrânia, vive uma minoria polaca. Por conseguinte, para Varsóvia, a questão é a seguinte: manter os laços com o país "irmão" e, ao mesmo tempo, honrar as responsabilidades associadas à sua posição geográfica, na fronteira externa de Schengen.
Este exercício delicado é praticado no posto de fronteira de Medyka, a 15 quilómetros de Przemysl. Cerca de 50 veículos aguardam, em fila indiana, a sua vez de atravessar uma arcada negra, erguida entre os campos de milho. Ao volante de uma furgoneta cor de laranja, Bogdan, ucraniano, de 49 anos, lamenta-se: "Às vezes, demora três horas!" Engenheiro numa fábrica de aviões, na época soviética, Bogdan passa por aqui de dez em dez dias.
Fica um dia em Przemysl e volta a partir, com a caixa do veículo cheia de materiais de construção, que vende na Ucrânia. "No nosso país não há nada e as coisas são muito mais baratas aqui. Tenho uma margem de lucro de 20%. É muito mais rentável do que trabalhar na Ucrânia por 80 euros por mês."
Um reino de consumo à porta
Em teoria, as importações são limitadas, para os particulares. Mas os guardas alfandegários ucranianos, aos quais cabe controlar as mercadorias que saem da Polónia, têm fama de não serem muito meticulosos.
Medyka, onde são realizadas 1000 travessias por dia, é o posto de fronteira mais frequentado do distrito. A afluência poderia levar a pensar que nada mudou depois de 2004. Mas, agora, 80% das travessias são feitas por ucranianos. Vêm abastecer-se ao reino do consumo, que fica mesmo à porta. Outrora desertas, as zonas próximas de Medyka têm agora vários supermercados: de produtos alimentares, eletrodomésticos, artigos de bricolage, vestuário.
Em 2009, a Polónia criou um sistema de cartão, que permite aos residentes fronteiriços ucranianos entrar sem visto num área até 30 quilómetros da fronteira. O "abre-te, sésamo" tem tido sucesso.
Para a maioria dos habitantes de Przemysl, Schengen não é sinónimo de ascensão e promoção social. O novo estatuto da cidade intensificou o sentimento, profundo nesta parte leste da Polónia, de ter sido esquecida pelo crescimento (nos Baixos Cárpatos, o desemprego atinge os 15,9%, uma percentagem muito superior à média nacional de 9,3%).
Num banco da Praça João Paulo II, Stefania, uma senhora idosa envergando roupas de domingo, lamenta o fim dos velhos tempos. "Eu fazia contrabando", conta. "Era ilegal mas era uma maneira de viver. Agora, não tenho mais nada. A abertura das fronteiras não durou o tempo suficiente para podermos enriquecer."