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Barroso falou muito, mas disse pouco

O primeiro discurso sobre o estado da União, do chefe do executivo de Bruxelas, era muito esperado. Mas enquanto a UE sai lentamente da crise, as palavras denotam falta de ambição, lamenta a imprensa europeia.

Publicado em 8 Setembro 2010 às 14:54

O exercício era novo, o seu conteúdo nem por isso. A 7 de setembro, José Manuel Durão Barroso pronunciou, perante o Parlamento de Estrasburgo, o seu primeiro discurso sobre o estado da União Europeia, um encontro instituído pelo Tratado de Lisboa. Era esperado que o presidente da Comissão “tivesse tomado alguma atitude”, lembra La Croix.

“Após meses de críticas sobre a sua passividade face à crise mundial e as dificuldades orçamentais gregas, os eurodeputados receberam, em Estrasburgo, o seu catálogo de projetos para o outono”, escreve o diário francês. Mas para o Volkskrant, que qualifica este discurso como “lista de novas iniciativas brandas”, “Barroso falhou o alvo com uma avalancha de palavras”.

“De facto, o estado da União, deveria servir para expor uma estratégia económica a que temos direito”, diz, por seu lado, La Libre Belgique, que sublinha particularmente “o regresso de uma ideia já proposta por Jacques Delors, mas contrariada, na altura, pela Alemanha, a de recorrer a empréstimos europeus para financiar os grandes projetos de infraestruturas, em colaboração com o Banco Europeu de Investimentos”. Em resumo, para o diário de Bruxelas, foi “um José Manuel Durão Barroso vintage” que se apresentou perante os eurodeputados.

Um simples diagnóstico da situação

A UE, sublinha El País, quis “imitar” “o ritual velho de mais de dois séculos” do discurso do presidente dos Estados Unidos sobre o estado da União. No seu blogue do Financial Times, o cronista Gideon Rachman afirma que Barroso “manteve-se agarrado à sua campanha para ser considerado igual ao homem da Casa Branca”. Certamente, avança o Polska, existe uma semelhança entre Barack Obama e Barroso: “Ambos lutam não só para reconstruírem as suas economias após a crise, mas querem também restaurar a confiança” na sua liderança. Mas “as declarações do presidente americano conduzem à feitura de leis, enquanto a maior parte das declarações de Barroso não passam de um diagnóstico da situação ou manifestação de intenções”, sublinha o Dziennik Gazeta Prawna.

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De facto, notícia De Volkskrant, “nada resta do texto original, perante a pressão dos comissários (que têm, cada um deles, a sua própria mensagem que querem fazer passar) e dos funcionários”. Porque “a elite de Bruxelas”, escreve o Polska, “sonha em tornar-se uma entidade única, e não 27 projetos separados”. Mas as manifestações em França e a recente greve do metro de Londres provam que isso não passa “de um sonho”. Consequentemente, acrescenta, em Varsóvia, o Dziennik Gazeta Prawna, “o verdadeiro sentido do discurso” é que “a burocracia europeia está na defensiva e são os Estados que apontam a via para a integração”. E como sublinha o Público, em Lisboa, “este tão esperado discurso está longe de ter impressionado os eurodeputados que esperavam ouvir uma estratégia clara para tirar a UE da sua deriva intergovernamental”.

Um homem sem visão que fala como uma máquina

“Estamos em vias de nadar ou de nos afundar?”, pergunta o Gazeta Wyborcza. “O problema da Europa, que o Tratado de Lisboa não resolveu, é a falta de liderança forte”. Neste contexto, a competição entre as diferentes instituições da UE (a Comissão, o Conselho Europeu e o Parlamento) não traz nada de bom. “É mais do que tempo das instituições europeias porem de lado as suas ambições e começarem a trabalhar em conjunto em prol dos europeus.”

Os europeus, por seu lado, foram tidos em conta pelo presidente da Comissão? Neste discurso sobre o estado da União, “não houve menção alguma ao facto de o apoio à UE se ter desmoronado”, escreve Honor Mahony no seu blogue do EUobserver. “Um pouco mais tarde, respondendo a uma pergunta, Barroso admitiu simplesmente ‘problemas, problemas graves’, no que diz respeito à recente sondagem europeia.”

É assim que Bruxelas quer ser parecida com Washington, interroga-se De Standard. Enquanto o presidente norte-americano “se dirige à população e lhe explica as grandes linhas da sua política”, o facto de Barroso “ter começado um discurso transmitido em direto com uma fórmula que se dirige ao presidente do Parlamento e aos eurodeputados, mas não aos seus ‘caros concidadãos’” é “um eterno mistério”. O líder da Comissão, lamenta o diário de Viena, apresenta-se como “executor inatingível e acima de todos, que não quer atacar nada, que evita as palavras ‘expulsão dos ciganos’, um homem sem visão que fala como uma máquina demasiado cheia de palavras mágicas. É o dilema da Europa. Não podemos, não devemos falar assim aos cidadãos”.

Visto de Madrid

Demasiado tímido sobre a questão dos ciganos

“A Europa perante a França”, escreve El País no título do seu editorial. O jornal madrileno diz que José Manuel Durão Barroso “anda nas nuvens” se acredita que com um “apelo lacrimejante” para “não serem despertados os fantasmas do passado”, honra as suas obrigações. El País compara Barroso e as suas “queixas vãs” à “firmeza” do seu antecessor, Romano Prodi, perante a Áustria de Jorg Haider [em 1999]. “Uma comparação ainda mais deplorável após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa”, que “contém uma Carta dos Direitos Fundamentais com pleno valor constitucional”.

El País critica “a indiferença geral das instituições e dos dirigentes da UE perante uma situação pungente”, porque a atuação do Governo francês para com os ciganos “viola uma meia dúzia de artigos da nova Carta”. O jornal lembra que a livre circulação dos ciganos “não é um privilégio suscetível de ser aceite ou recusado segundo os caprichos de um dirigente, mas sim puro direito comunitário”, e considera que o executivo comunitário deveria abrir um “verdadeiro inquérito sobre a iniciativa francesa e adotar as medidas necessárias”.

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