Dominique Strauss-Kahn em campanha eleitoral para as primárias socialistas nas eleições presidenciais de 2007.

Crónica de um fim anunciado

A queda abrupta do ex-chefe do FMI levanta duas grandes questões em França: o que pode a esquerda fazer, que tinha apostado nele para vencer Nicolas Sarkozy, em 2012, e por é que os media se mantiveram em silêncio face ao seu comportamento com as mulheres.

Publicado em 17 Maio 2011 às 15:09
Dominique Strauss-Kahn em campanha eleitoral para as primárias socialistas nas eleições presidenciais de 2007.

O caso DSK não diz respeito apenas a um indivíduo chamado Dominique Strauss-Kahn. Poderia não passar de um «fait divers» sórdido: uma figura pública acusada de agressão sexual, tentativa de violação e sequestro; um homem de 62 anos, acusado de ter violentado uma mulher de 32 anos, na suite de um hotel de luxo, e que agora tem de responder pelos seus atos perante um tribunal penal de Nova Iorque.

A estupefação que parece ter assolado o país, perante as imagens de Dominique Strauss-Kahn no momento em que entrava no tribunal de Nova Iorque, entre pequenos delinquentes e traficantes de droga, também deveria funcionar como uma chamada brutal à realidade.

Sim, um dos homens mais influentes, mais poderosos e mais populares do planeta tem de responder pelo seu comportamento como qualquer cidadão comum. É uma boa notícia, apesar de, cansado de lutar, o nosso país se ter habituado a considerar – às vezes erradamente – que a impunidade é um privilégio devido aos poderosos.

Sim, isto pode ser visto como "um pesadelo" (Pierre Moscovici), "uma crueldade" (Elisabeth Guigou) ou como "uma mistura de tragédia grega com série americana" (François Bayrou).

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Mas a violência simbólica destas imagens de DSK algemado e abatido é somente o reflexo da violência física, essa bem real, que uma tentativa de violação constitui. E, no seu libelo brutal, a acusação do Ministério Público deixa entrever o que deveria ter sido essa violência. Sim, a presunção de inocência do acusado existe, ninguém duvida, mas há uma alegada vítima, uma mulher, e disso ninguém pode esquecer-se.

Sedutor ou predador sexual

O Partido Socialista, cujos dirigentes se reúnem esta terça-feira em sessão extraordinária, já cometeu dois grandes erros de apreciação quanto à dimensão e às consequências deste caso.

    • O primeiro erro teve origem nos círculos mais próximos de Dominique Strauss-Kahn. Consiste numa defesa cega e sem distanciamento do acusado, que pode fazer crescer o mal-estar. Relativizar a acusação, alimentar cenários de conspiração, negar tudo ou afirmar ex abrupto que existem "numerosas contradições no processo", dando a entender que este vai cair por terra, não é decerto a melhor estratégia para mostrar apoio ao homem chamado Dominique Strauss-Kahn.

Porque essa negação brutal, também alimentada por um estranho retrato que, mais uma vez, descreve Dominique Strauss-Kahn como "sedutor", "libertino", "amante das mulheres", envolve o risco de suscitar perguntas terríveis sobre os anos anteriores. O patrão do FMI é hoje acusado, segundo o vocabulário do crime, de ser um "predador sexual". Os que lhe são próximos diziam, até agora, que ele era um "sedutor". Tratar-se-ia de um eufemismo para mascarar uma realidade bem diferente? A pergunta é demolidora mas, infelizmente, não deixará de ser formulada.

Já o foi e, logo no domingo à tarde, quando a mãe de Tristane Banon (que, além do mais, é uma representante eleita socialista e amiga da família Strauss-Kahn) contou que tinha dissuadido a filha, jornalista e presentemente escritora, de apresentar queixa contra Dominique Strauss-Kahn por uma tentativa de violação que teria ocorrido em 2002. Essa mãe, Anne Mansouret, conselheira geral e regional socialista, diz hoje lamentar a sua atitude e acrescenta, a respeito de DSK: "Ele tem um verdadeiro problema: a dependência do sexo, como outras pessoas têm problemas com o álcool, com a droga ou com o jogo."

Algumas pessoas ficam indignadas com esta história, subitamente ressuscitada (é o caso, por exemplo, de Bernard-Henri Lévy). Mas isso é esquecer que a duração da prescrição em relação a estes crimes foi fixada em dez anos, precisamente por ter sido tida em conta a dificuldade das vítimas em exigir reparação, nestes casos.

A pergunta também se aplica à imprensa, no que se refere a possíveis incumprimentos do dever de informar, aos silêncios e – mais uma vez – aos eufemismos na descrição do homem público. É evidente que o respeito pela vida privada deve ser ferozmente defendido; trata-se da liberdade de todos nós. Mas esse respeito acaba onde começa a violação da lei: o tabu legítimo sobre a vida privada não deve servir para encobrir crimes ou delitos. Acontece que, desde há anos, vários jornalistas descreveram a vida de Dominique Strauss-Kahn, recorrendo a elipses prudentes: terão falhado numa das suas missões, o dever de alertar?

Um enorme risco político

O jornalista Christophe Deloire, autor do livro Sexus Politicus, pensa que sim e explica aqui o seu ponto de vista, num artigo de opinião intitulado "O estranho código de silêncio dos órgãos de comunicação sobre o caso DSK". Em 2008, dando seguimento ao alerta de Jean Quatremer, do Libération, o Mediapart colocou a questão política central, no cruzamento entre paixões privadas e virtudes públicas: não seria um enorme risco político promover, num mundo de cultura anglo-saxónica, um alto responsável conhecido pela "dependência do sexo" descrita pela mãe de Tristane Banon?

  1. – O segundo erro é diretamente político e foi cometido pela direção do Partido Socialista. "O partido não está enfraquecido, nem decapitado." Foi esta a síntese apresentada, contra todas as evidências, pelo seu número 2, Harlem Désir.

É fácil perceber que um partido paralisado se apegue a alguns automatismos de pensamento, no instante em que um enorme abismo se abre diante dos seus pés. Mas, mais uma vez, a estratégia de negação perante o aparecimento de uma nova realidade é garantia de fracasso.

Essa linha poderia ser aceitável, se o primeiro resultado político do caso Strauss-Kahn não tivesse sido a destruição das "aldeias Potemkin" cuidadosamente elaboradas pela direção do PS desde o Congresso de Reims. Há três anos que tudo é feito em função da bolha das sondagens e das exaltações de editorialistas unidos em torno do patrão do FMI, que apresentavam a candidatura de Dominique Strauss-Kahn como indispensável. Martine Aubry pode louvar o trabalho realizado nos últimos três anos: partido em ordem, partido apaziguado, programa e processo de escolha do candidato. Estamos, porém, perante uma ilusão de ótica habilmente construída, enquanto era agendado outro filme que deveria conduzir DSK ao Eliseu.

O caso Strauss-Kahn é o último alerta para um PS que, até agora, se mostrou incapaz de enfrentar o desafio do "sarkozysmo". Caso não o compreendam, os dirigentes socialistas terão uma pesada responsabilidade na derrota da esquerda e no declínio da França.

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