A central solar de Gemasolar, na Andaluzia.

Desertec, os ensinamentos de um fracasso

A exploração de sol em pleno deserto para abastecer a Europa com eletricidade foi uma ideia grandiosa. Mas é difícil de concretizar. Compreender as fragilidades do projeto irá permitir que se evitem os mesmos erros.

Publicado em 24 Julho 2013 às 12:40
A central solar de Gemasolar, na Andaluzia.

A força deste projeto derivava das imagens por ele veiculadas. O sol, desde logo, a simbolizar o fim do dilema energético, depois do declínio da energia nuclear. O deserto, em segundo lugar, a evocar a imensidão, o espaço, o infinito – nele existente em termos conceptuais. O projeto Desertec, cujo objetivo era produzir eletricidade no Saara que chegasse à Europa, entusiasmou muita gente e foi considerada a mais bela “ideia verde” destes últimos anos. O entusiasmo foi tanto que os grandes grupos empurravam-se uns aos outros para participar. A Siemens, o Deutsche Bank, a Munich Re – houve umas cinquenta empresas locais e estrangeiras que colocaram a sua assinatura.

Mas o comboio está a perder velocidade. Os parceiros de primeiro plano retiraram-se e um dos responsáveis pelo projeto [Aglaia Wieland], que queria dar solução ao roteiro inicial, foi dispensado. Não será este projeto a prova de que houve uma falha de comunicação assente em quimeras, uma ideia grande deitada a perder pela mesquinhez de uns quantos?

Seria um erro ver em tudo isto apenas um simples descalabro. O projeto Desertec e os ensinamentos que ele nos oferece prefiguram o futuro da política ambiental e o êxito, ou fracasso, de inúmeros dossiês políticos que se encontram perante grandes incógnitas.

Um único “cérebro” nunca salvou o mundo

Lição nº 1: Engenheiros, gestores e cientistas não substituem a ação política. É uma tentação olhar-se para o mapa-mundo ou de um país como para uma simples folha de papel onde se traçam linhas à vontade, grandes ou pequenas. No entanto, quem tencione pôr em prática um projeto grande deveria considerar, em primeiro lugar, os atores políticos, os seus interesses, as fronteiras do país e das suas regiões. Seria conveniente associar a um projeto destes os residentes e os países vizinhos. Como ninguém entrou em contacto com todos os interessados para saber a sua opinião ou, pelo menos, para lhes dar a conhecer o que os esperava, corre-se o risco de se arranjar um verdadeiro adversário: e uma mão-cheia de adversários pode ser o suficiente para fazer fracassar um projeto. Nos países em plena agitação, como é o caso do Norte de África, os parceiros podem deixar de responder da noite para o dia. Este facto devia ser tido igualmente em conta por quem pretende enxadrezar o país com linhas elétricas em nome da transição energética.

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Lição nº 2: Não se pode confundir comunicação com diálogo e processo político. A comunicação é um mecanismo gigantesco: apresentações em PowerPoint, vídeos da empresa, campanhas publicitárias... Rostos afáveis no meio de painéis fotovoltaicos, em carros elétricos ou sob o sol do deserto. É uma tarefa que compete aos conselheiros em comunicação. Nesse sentido, a campanha de comunicação será um fracasso se o promotor não conseguir impor a sua perspetiva do projeto.

No final de um processo político, em contrapartida, chega-se geralmente a um compromisso. Como aconteceu no projeto Desertec: os países do Norte de África são os primeiros beneficiários. E este compromisso está longe de ser mau. E se o resultado final for muito diferente do projeto inicial, isso ficará pelo menos a dever-se aos protagonistas nele diretamente interessados.

[[Determinados elementos do movimento ecologista desejariam que houvesse uma política ambiental segundo o modelo chinês]]: Estados autoritários cujos dirigentes impõem a sua conceção política a ferros. Ora, a experiência diz-nos que um único “cérebro” nunca salvou o mundo, mas sim uma multiplicidade de cabeças pensantes a produzirem ideias. Embora possam retardar determinadas tomadas de posição, a pluralidade de agentes e a defesa dos seus interesses também conferem a estas decisões uma maior durabilidade. Claro que é sempre possível impor esta ou aquela tecnologia, mas se pretendermos ter uma política ambiental sustentável, é conveniente alterar os hábitos de consumo e as mentalidades, as estratégias de inovação e os processos de produção.

Privilegiar projetos locais

Lição nº 3: Privilegiar os projetos locais, descentralizados e reversíveis, em detrimento de grandes projetos centralizadores. Se quisermos atingir o crescimento de uma forma inteligente e, por isso mesmo, ecologicamente responsável, coloca-se-nos uma questão: Quem decide o que é inteligente e o que não é? Os defensores do átomo, por exemplo, pensavam outrora ter encontrado o segredo de uma energia própria e inesgotável. Para nós só sobraram problemas: O que fazer com centrais obsoletas e os seus respetivos resíduos?

Em A terceira revolução industrial, o sociólogo Jeremy Rifkin atribui o poder revolucionário da energia solar às possibilidades que esta oferece em matéria de descentralização. Qualquer pessoa pode tornar-se produtor em sua casa, diz ele. Sobretudo porque não tardará muito a ser possível instalar células solares em série nos telhados ou no reboco das casas. Deixará assim de ser preciso mandar vir a eletricidade de um outro continente.

Os pequenos projetos descentralizados não têm apenas a vantagem de se ajustarem facilmente em função das circunstâncias, mas permitem ainda promover a inovação e confirmar a sua aceitação por parte do grande público.

Lição n° 4: Grandes visões dão azo a pequenos projetos e a pequenas ideias. O que começou por ser um projeto de 400 mil milhões, que visava produzir eletricidade no Saara para abastecer a Europa, acabou ficar confinado a umas simples centrais elétricas em África. Um fiasco? Não para quem beneficiou dele no local. Às vezes, é preciso ter vistas largas para encontrar um objetivo que valha a pena ser concretizado. Se o processo assentar em pequenas etapas claramente definidas, isso até poderá ser uma vantagem. Se às vezes é preciso haver visões radicais, geralmente é sempre por uma questão de pragmatismo [na sua concretização].

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