Bancos dividem a Grécia em dois...

Europa comida viva por operações de salvamento

As operações de salvamento cada vez mais gigantescas, primeiro da Grécia e depois da zona euro, pouco estão a contribuir para acalmar os nervosos mercados mundiais. O problema é que os Estados amarraram os seus destinos a um sistema bancário frágil, em prejuízo dos seus cidadãos.

Publicado em 17 Maio 2010 às 14:21
Bancos dividem a Grécia em dois...

Estamos a viver tempos verdadeiramente históricos. A forte recuperação que se seguiu ao salvamento do euro está a desvanecer-se e o valor do euro voltou a cair. O que significa que os mercados não ficaram convencidos de que a gigantesca operação de salvamento UE/FMI/BCE seja suficiente.

As pessoas interrogam-se sobre o que poderá significar passar um cheque tão elevado. Haverá obrigações associadas? Para validar estas garantias, não terá de haver uma maior integração na Europa? Embora a elite da UE possa desejá-la, os povos da Europa não a desejam. Quando isso lhes foi perguntado, a França, a Holanda e a Irlanda rejeitaram uma maior integração (está bem, nós votámos outra vez). Mas o sinal das ruas é que os franceses querem continuar a ser franceses e senhores do seu destino, os holandeses também e de certeza que os alemães, os dinamarqueses e os gregos sentem o mesmo.

Estrutura financeira da Europa faz lembrar a Primeira Guerra Mundial

Portanto, os povos puxam para um lado e a elite política e bancária para o outro. Devido a este sistema instável de promissórias, que amarra umas às outras as infra-estruturas financeiras dos países, podemos ver uma clivagem entre os interesses dos cidadãos e os interesses da elite. Este distanciamento entre Estado e cidadãos está na origem do espectáculo em que se vê um Ministério das Finanças, que se presume trabalhar no interesse do cidadão comum, tomar decisões que validam contratos bancários existentes que nada têm a ver com o cidadão comum – mas cujos custos são inteiramente pagos por este.

Olhemos para o passado. Encarada numa perspectiva histórica, toda a estrutura financeira da Europa faz lembrar, de uma forma assustadora, o sistema de alianças existente antes da Primeira Guerra Mundial. Como foi que, quando um nacionalista sérvio na Bósnia matou o herdeiro do trono austríaco – um conflito local entre a Sérvia e o Império Austríaco – acabou por haver jovens de Dublin a morrer nas trincheiras belgas? De um modo semelhante, como foi que, quando o Governo grego não conseguiu controlar os seus gastos, um pedido de empréstimo feito na cidade de Waterford foi negado?

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O efeito de contágio

Recorde-se que as alianças de 1914 foram estabelecidas para evitar a guerra mas acabaram por ter o efeito oposto. Vejamos agora as alianças financeiras actuais. A existência do euro significa que todos os países da zona euro estão ligados entre si – e não apenas politicamente. O aglutinante que mantém estas alianças de pé consiste em empréstimos volumosos entre os bancos da zona euro. Por exemplo, os nossos bancos [irlandeses] devem, só aos bancos alemães, 129 mil milhões de euros – o que não fica muito longe do PIB da Irlanda. Quando a Grécia vacila, surge uma fractura e os bancos alemães começam a ficar preocupados com a hipótese de os gregos nunca virem a conseguir pagar os empréstimos.

Tendo presente esta dúvida, os empréstimos irlandeses também ficam em dúvida simplesmente porque os banqueiros estão nervosos. Agora, devido às preocupações com os empréstimos já em curso, ninguém vai continuar a emprestar aos bancos irlandeses e um pedido de empréstimo comercial agendado em Waterford é cancelado. O desemprego está a aumentar em Waterford e também no resto do país, minando cada vez mais a nossa economia. O contágio de que tanto ouvimos falar liga toda a gente a tudo, permanentemente.

É o equivalente financeiro de a Alemanha entrar na guerra para defender a Áustria, de a Rússia ter saído em apoio dos sérvios, e depois a França e o Reino Unido terem entrado por causa da Rússia.Subitamente, em vez de uma crise grega e na periferia da UE, passámos a ter um pânico à escala continental, que desencadeou uma resposta impressionante. Quando começou a Primeira Guerra Mundial, toda a gente ficou inebriada de patriotismo mas, na realidade, o que se esperava era que houvesse umas escaramuças e, em seguida, a razão voltasse a reinar – e que tudo estivesse acabado por altura do Natal. Verificou-se que não foi bem assim que as coisas se passaram.

Criar uma Europa a duas velocidades e começar de novo

Vejamos agora o caso da gigantesca operação de salvamento. Inicialmente, os mercados ficaram eufóricos. Passadas apenas 24 horas, já não tinham tantas certezas. Se os mercados minimizaram a importância dos 120 mil milhões de euros destinados à Grécia, na semana passada, não é de admirar que agora minimizem a operação de 750 mil milhões para a Europa toda. Esta "operação de salvamento sempre crescente" deixa-nos num grande aperto porque, se não for vista como suficiente, o que acontecerá a seguir? Cada operação terá de ser muito maior do que a precedente e tudo isto mina a credibilidade das operações de salvamento, porque há muitos países sem dinheiro, o que, para começar, é de facto a essência do problema.

Como na Primeira Guerra, a euforia inicial desvanece-se e a população apercebe-se de que tem de se preparar para uma luta demorada. Será que temos paciência para suportar mais austeridade, só para salvar um sistema de alianças bancárias? Não me parece que o cidadão comum grego, espanhol ou irlandês consiga aguentar o que aí vem. A alternativa óbvia a pedir empréstimos para resolver um problema que, afinal, foi causado por demasiados empréstimos é engendrar uma falência organizada, aceitar que não conseguimos competir com a Alemanha dentro da moeda única, criar uma Europa a duas velocidades e começar de novo. Mas uma coisa tão evidente nunca poderia ter pernas para andar, não é?

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