Montagem: Nidia Sánchez - Presseurop

Francês: uma língua inteligente e estruturada

Verbos irregulares, concordâncias pouco previsiveis, (palavras com) género arbitrário, contribuem para que o francês seja visto como uma língua difícil. O escritor Claude Duneton diz que esta é uma fama injusta.

Publicado em 28 Maio 2009 às 08:41
Montagem: Nidia Sánchez - Presseurop

De vez em quando, os gramáticos fazem-me rir. Descrevem o francês como uma língua incrivelmente difícil, complicada, cheia de nós que é preciso desfazer com dedos de tecedeira. Ressaltarão desse modo as contradições e as incertezas da nossa língua, apresentada como uma trama de insanidades, com os seus verbos irregulares, os seus particípios sem acordo, os seus adjectivos incontrolados, os seus plurais singulares, os seus tempos em desuso. Em suma, a fazer fé nessas descrições, esta pobre língua francesa seria coisa para nos vermos gregos!

Veja-se os géneros, por exemplo, tão arbitrários em francês – quando em húngaro não existe masculino nem feminino para os objectos comuns, nem em inglês. Ah o húngaro! Ah o inglês! Neutros de todos os países, uni-vos! É verdade que não há nenhuma razão inteligente para que seja “a” cadeira e “o” banco, “a” rosa e “o” lírio – o que isso baralha os magiares, uma coisa tão simples!

Dá-me vontade de pegar nestas queixas pelo avesso e passar a uma suposição completamente gratuita: e se precisamente nessas subtilezas, nesse lado de renda de bilros, residisse uma das forças secretas do francês? Hum? A rosa e o lírio… Tocou-me fundo a afirmação de um jovem matemático que declarou taxativamente que o grupo francês de pesquisadores em Matemática Fundamental é o que tem melhores resultados no plano internacional “porque utiliza o francês” – precisamente, e não o inglês, como as outras ciências. Passamos com alguma leveza por cima de declarações semelhantes… E se a complexidade da nossa língua, transformada numa coisa completamente incerta e oscilante, instável “por causa” desse fabuloso enredado de masculinos e femininos gramaticais totalmente irracionais, estivesse relacionada com essa predisposição para as matemáticas? Se essa língua rendada “favorecesse” os malabarismos que pressupõe o mergulho na matemática a um nível de abstracção tal que um espírito corrompido por uma língua “irracional” esteja mais adaptado para a loucura, o absurdo de uma pesquisa num campo em que 2 e 2 não dêem necessariamente 4? Ora bem!

A que labirinto nos conduz este pensamento? De facto, não há nenhum pensamento racional, apenas uma convenção secular, para que lírio seja masculino e rosa feminino. Nenhuma! Mas, e se este absurdo transportado para o conjunto da língua desse uma atitude desconfiada, ou apenas vigilante, ao falante francês? E se, avanço eu, esse húmus em movimento criasse em parte as condições favoráveis para o desenvolvimento do espírito matemático e explicasse o mistério: porque é que os matemáticos franceses, francófonos, estão na linha da frente da pesquisa, a nível mundial?

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Ah, sinto que a dúvida o invade, caro leitor! Talvez nenhuma outra língua dos nossos próximos, ocidentais, imponha semelhante necessidade de estar alerta, de, como o francês, reflectir a cada volta de uma frase em busca de acordo…

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