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Grécia: mais austeridade, menos liberdade

Por um lado, a UE faz questão de criticar o crescente autoritarismo da Hungria de Viktor Orbán, mas por outro, fecha os olhos à erosão da liberdade de imprensa na Grécia, o país a quem tem imposto uma série de medidas de austeridade autodestrutivas, argumenta um colunista britânico.

Publicado em 6 Novembro 2012 às 10:53

Quando aqueles loucos sátiros escandinavos atribuíram o Prémio Nobel da Paz à União Europeia, fizeram toda a gente rir ao elogiarem o compromisso da UE em prol “da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos”. Se a declaração do comité de 2012 não tivesse sido uma piada, já há muito tempo que teríamos lido denúncias de vários comissários europeus sobre o crescente clima de opressão do poder do Estado e do neonazismo na Grécia.

A UE denúncia vigorosamente as ameaças à liberdade de expressão na Hungria de Viktor Orbán. Os políticos europeus preocupam-se, com razão, com o destino das instituições independentes que se atravessam no caminho daquele regime infame. Percebem o que há de fascismo no namoro da nova direita húngara com as ameaças antissemitas e antiRoma e o seu sonho revanchista de que a Hungria venha a recuperar os territórios que perdeu depois da Segunda Guerra Mundial. No entanto, quando o assunto é o destino da democracia grega, faz-se silêncio, apesar de haver muita coisa sobre a qual os líderes europeus deviam falar.

Percebem-se os pontos de pressão de um Estado falido olhando para aquilo que ele censura. No caso da Grécia, o processo que, na semana passada, as autoridades abriram contra Kostas Vaxevanis mostra que ele atingiu um desses pontos de pressão com a mesma perícia com que um médico espeta uma agulha num nervo. Enquanto os gregos vivem numa austeridade sem fim à vista, enquanto o PIB grego diminuiu 4,5% em 2010 e 6,9% em 2011 e, segundo as previsões, encolherá 6,5% este ano e 4,5% em 2013, a lista com os nomes dos mais de dois mil gregos que têm contas bancárias na Suíça que Vaxevanis publicou sugere que quem é bem relacionado consegue escapar aos sacrifícios que esmagam as massas.

Ter sido absolvido da acusação de invasão da privacidade, é bom, mas menos importante do que possa parecer. Isso não significa que a liberdade de imprensa esteja garantida na Grécia. Até mesmo nos bons tempos, raramente os jornalistas independentes foram uma força naquele país. A maior parte dos canais de televisão gregos e dos jornais ou são propriedade do Estado ou de grupos plutocráticos, e nem um nem outros querem ver os casos de corrupção serem expostos.

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Políticas de austeridade autodestrutivas

São muito poucos os empregados das restantes organizações noticiosas gregas que recusam a noção de que devem ficar calados para continuarem a receber os seus salários. E o Estado persegue muitos dos que o fazem. “Na teoria, a liberdade de expressão ainda está consagrada na lei”, diz Asteris Masouras, um dos monitores da liberdade de expressão da Global Voices. “Na prática, bom…” E, a seguir, deu-me uma lista das instâncias que ameaçam e intimidam jornalistas.

Por onde começar? Que tal as políticas de austeridade autodestrutivas a que a troika composta pelo Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional obrigou a Grécia? As autoridades usaram um mandato antigo para prenderem Spiros Karatzaferis (no dia 31 de outubro) depois do jornalista ter ameaçado publicar alguns e-mails confidenciais que explicam que o alegado “pacote de resgate” da troika empurrou o país para a depressão.

A brutalidade da polícia é outro ponto crítico, sem dúvida. A esquerda grega alega persistentemente que existe colaboração entre as forças da lei e da ordem e os bandidos do movimento neonazi Aurora Dourada. O jornal The Guardian publicou notícias segundo as quais a polícia espancou manifestantes antifascistas depois destes terem enfrentado a Aurora Dourada. No dia seguinte, a televisão estatal demitiu os jornalistas Kostas Arvanitis e Marilena Katsimi, apresentadores do noticiário da manhã, depois deles terem dito aos administradores da estação que tencionavam investigar as denúncias do Guardian.

Christos Dantis foi outro dos repórteres televisivos a juntar-se ao grupo dos jornalistas banidos. Os seus editores mandaram-no fazer a cobertura das comemorações do centenário da libertação de Salónica da dominação otomana. Quando se preparava para mostrar os protestos populares contra as presenças do primeiro-ministro e do Presidente da República na segunda cidade da Grécia, os seus chefes cortaram-lhe a imagem e passaram a assuntos mais agradáveis.

A Weimar dos eurocratas no Mar Egeu

Pode dizer-se, com toda a certeza, que as velhas alianças entre movimentos extremistas políticos e religiosos estão a ser reativadas. Assim, no mês passado, fanáticos cristãos e neonazis (e a diferença entre os dois é importante) protestaram contra uma peça de teatro “blasfema”, representada em Atenas, cujo tema central era a homossexualidade. A administração do teatro, retirou estupidamente a peça de cena. A televisão grega cortou uma cena de Downton Abbey que mostrava um beijo gay. Ora, é bom de ver que um país que censura Downton Abbey por qualquer outra razão que não seja a do gosto literário está com graves problemas.

Os eurocéticos britânicos não percebem que a União Europeia já foi uma saída para um futuro liberal para os povos da Europa. Quando visitei Atenas, no início da década de 1980, os mais velhos recordavam como tinham lutado contra a ocupação nazi e os mais novos tinham crescido com a ditadura militar imposta pelos coronéis e tinham-na derrubado. Terem-se juntado à União Europeia significou dizer adeus a tudo isso. Agora, voltaram a pobreza, o medo, a supressão, a intimidação.

Pode culpar-se a sociedade grega por aceitar a corrupção. Podem culpar-se os banqueiros pela bancarrota. Mas também devemos culpar os políticos e os burocratas europeus que aceitaram a Grécia (e o resto do Sul da Europa) numa zona de moeda única que os colocou em desvantagem competitiva permanente e recusam perdoar uma dívida que a Grécia nunca conseguirá pagar.

Não admira que o comité do prémio Nobel tenha ficado em silêncio no que diz respeito aos direitos humanos e tenha preferido insistir na garantia de integração europeia. A Grécia é a Weimar dos eurocratas no Mar Egeu. Foram eles que a ajudaram a construir.

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