Jogo de poderes em relação à Síria

Publicado em 31 Maio 2013 às 16:21

Um pequeno ponto no mapa pode dar uma pista àqueles que se interrogam sobre o motivo do embaraçoso fracasso dos europeus em chegarem a acordo quanto a uma política comum sobre o embargo ao armamento imposto à Síria: a enorme jazida de gás South Pars/North Dome, no Golfo, que se encontra uniformemente entre as águas do Irão e do Qatar. Teerão, aliado de Damasco, pretende construir um gasoduto, que atravessaria a Síria, para chegar à costa mediterrânica e ao rico mercado europeu. Doha, o principal patrocinador dos rebeldes, tem um projeto concorrente, que atravessaria a Síria pós-Assad e a Turquia, para chegar ao mesmo destino. Significativamente, o agravamento da crise síria, no início de 2011, verificou-se apenas alguns meses depois de as negociações sobre o projeto iraniano terem começado, em finais de 2010.

A França e o Reino Unido são, através dos respetivos gigantes nacionais – GDF e Shell – intervenientes de primeiro plano no setor do gás do Qatar. A Rússia tem um pacto firme com o Irão, para combater as tentativas dos Estados sunitas do Golfo e dos aliados ocidentais desses Estados de dar a volta à sua situação de quase monopólio sobre as disposições europeias.

A Alemanha está ligada à Rússia pelo gasoduto Nord Stream, defendido pelo antigo chanceler Gerhard Schröder, e a ENI italiana é um parceiro importante da Gazprom. Assim, o facto de Paris e Londres estarem em desacordo com Berlim e Roma quanto ao futuro da Síria parece menos de espantar.

O pesadelo sírio não é o único assunto relativamente ao qual a energia tem dividido a Europa, nos últimos tempos. O debate sobre os riscos ambientais e de saúde que a exploração de reservas de gás de xisto europeias coloca tem sido fortemente prejudicado por interesses nacionais antagónicos e, também, dificultado pela interferência do setor nuclear russo e pelas incertezas quanto à futura política energética da Alemanha. Esta semana, a posição da UE no conflito comercial com a China em matéria de painéis solares foi destruída pelo desacordo entre a França e a Alemanha sobre se as importações baratas de produtos de empresas chinesas subsidiadas pelo Estado deveriam ou não ser sujeitas a imposto.

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Depois da reversão das teorias tradicionais sobre o “pico do petróleo”, o mundo parece estar à beira de uma importante revolução em matéria de fontes de energia. O grande investimento no gás de xisto e noutros hidrocarbonetos não convencionais poderá tornar os Estados Unidos autossuficientes até 2020, libertando aquele país das importações de petróleo e do peso geopolítico a estas associado – como já mostra o seu pouco interesse pela crise síria. Se algumas notícias recentes provenientes do Japão se revelarem certas, a exploração viável de hidratos de metano poderá fazer descer ainda mais os preços da energia – para aqueles que tiverem acesso a essa exploração.

Por essa altura, o já complicado plano da UE para redução de emissões de CO2 terá deixado de fazer sentido. Proteger as suas indústrias em dificuldades contra concorrentes que pagam uma fatura de energia reduzida a metade do preço tornar-se-á cada vez mais difícil, se não se arranjar uma maneira eficaz de aliar o “verde” ao “barato”. Mas, acima de tudo, energia e política tornar-se-ão indissociáveis. Toda a conversa acerca de uma união política não passará de motivo de riso, como já acontece com o desajeitado esforço da UE na área da diplomacia comum. Os governos europeus e os seus representantes do setor da energia terão de se sentar à volta de uma mesa e de desenvolver uma visão comum. Se isso não acontecer, o facto será lamentado muito para além dos círculos dos federalistas europeus.

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