Visita dos reis de Espanha a Melilha, em novembro de 2007

Melilha, o sonho europeu em Marrocos

Rabat considera o enclave espanhol de Melilha um território ocupado. Mas os marroquinos que lá vivem e trabalham gostam da sua especificidade e não desejam que o seu estatuto seja alterado.

Publicado em 5 Agosto 2010 às 14:26
Visita dos reis de Espanha a Melilha, em novembro de 2007

Um casamento está no auge, no Café del Real. Três convidados, Mina, Aziza e Karim, passaram metade ou a totalidade da vida em Melilha. São de origem marroquina, mas o seu comportamento é espanhol. “Se Marrocos passar a mandar aqui, parto para o território do outro lado”, comenta Karim, aludindo à Espanha continental. Mas num ponto são bastante marroquinos: Mina, Aziza e Karim não querem que os seus apelidos figurem no jornal. As suas opiniões sobre Melilha não estão de acordo com a posição do Estado marroquino e não querem causar problemas à família, em Marrocos.

Melilha, com 80 mil pessoas habitando em 12 quilómetros quadrados cercados de arame farpado, é uma questão sensível em Marrocos. Para Rabat, é um território ocupado, ponto de vista confirmado recentemente pelo primeiro-ministro, Abbas El Fassi. Acabava de ter uma conversa telefónica com o Governo espanhol sobre “a ocupação” de Melilha e Ceuta, outro enclave espanhol no Norte de Marrocos. A Espanha reagiu de imediato, afirmando que “a soberania e o caráter espanhol” de Ceuta e Melilha não estão em causa.

Para Marrocos, Melilha é um vestígio do colonialismo

Mina, Aziza e Karim beneficiam da democracia espanhola, de um ensino de boa qualidade e de cuidados de saúde acessíveis. Além disso, os salários são mais elevados do que do outro lado da fronteira. “E muitos produtos são mais caros em Marrocos. Um pacote de leite custa 50 cêntimos em Melilha contra o equivalente a 80 cêntimos em Marrocos”, diz Aziza. Não há, pois, razões para que os marroquinos de Melilha desejem que a boa vida termine.

O casamento do Café del Real é misto: a noiva, Rabiaa, é marroquina, e o noivo, Juan Miguel, é espanhol. Segundo Antonio Portillo Gomez, frequentador assíduo do café, “toda a população de Melilha é multicultural”. “Houve inúmeras civilizações aqui, Melilha tem uma longa história, muito anterior à tomada de poder pelos marroquinos. Então porque é que Marrocos considera que Ceuta e Melilha são marroquinas?” Em 1497, Melilha era já espanhola e Ceuta veio juntar-se-lhe em 1578. No século passado, o reino de Espanha estendeu a sua influência a todo o Norte de Marrocos, mas quando o país se tornou independente, em 1956, a Espanha devolveu o território, com exceção de Ceuta e Melilha, bem como três ilhas minúsculas na costa marroquina, que pertencem há vários séculos a Espanha.

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Na ótica espanhola, a situação atual é justa, tendo em conta a História. Mas não é essa a opinião de Marrocos. Quando o Rei de Espanha, Juan Carlos, visitou Ceuta e Melilha pela primeira vez, em novembro de 2007, isso provocou uma crise diplomática. Marrocos chamou o seu embaixador em Espanha e o primeiro-ministro El Fassi declarou que o tempo do colonialismo tinha “irrevogavelmente” terminado.

É assim que Marrocos encara a situação: um vestígio da época colonial. Daí a firme intenção de recuperar os dois enclaves. O porto de Tanger Med foi construído exatamente ao lado de Ceuta e está em curso um complexo portuário similar, mesmo ao lado de Melilha. O objetivo é travar a atividade económica dos enclaves de maneira a torná-los, a prazo, demasiado dispendiosos de manter pela Espanha.

12 mil marroquinos entram diariamente em Melilh**a**

De qualquer modo, os dois pequenos territórios são já muito caros, porque há espanhóis da Península Ibérica vão para lá atraídos por benefícios fiscais e salários mais elevados para os funcionários públicos. Mas por agora, a situação financeira dos enclaves é boa e isso sobretudo graças aos marroquinos. Os que habitam nas imediações têm acesso sem visto e, assim, 12 mil deles entram todos os dias em Melilha. Há objetos baratos, como leite, champô e colchas, para revenderem com um pequeno lucro do lado marroquino. A cadeia de televisão francesa M6 passou, em abril, o documentário Les femmes-mulets [As mulheres-mulas], sobre mulheres marroquinas que transportam às costas 60 a 80 quilos de mercadorias, mesmos as grávidas e idosas. Às vezes, a polícia reúne-as como ao gado perto da fronteira espanhola e bate-lhes com as matracas. O jornal marroquino Akhbar Alyoum qualificou o filme como “chocante”.

Os marroquinos são discriminados pelos espanhóis de Melilha? “Não, de maneira nenhuma”, diz Karim. Os habitantes gostam de pensar que Melilha é um exemplar Estado multicultural. Sabem, no entanto, que os espanhóis da Península os olham com uma certa sobranceria porque habitam em África; mas sobem o moral ao pensar na miscenização que ali reina. Além disso, gostam de distinguir-se através de uma imagem de oásis de civilização num deserto de barbárie. “Em Marrocos, as mulheres não têm direito de opinião, mas aqui não é assim”, gaba-se um residente espanhol de Melilha.

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