Terminal 2E do aeroporto Roissy-Charles de Gaulle (Paris)

O mundo suspenso dos aeroportos

A nuvem do vulcão Eyjafjöll atingiu milhões de viajantes ocasionais e também a comunidade dos “frequent flyers”. A cronista espanhola Joana Bonet descreve esta sociedade paralela e artificial.

Publicado em 21 Abril 2010 às 14:41
Slightlynorth  | Terminal 2E do aeroporto Roissy-Charles de Gaulle (Paris)

Como satélites das cidades, ao longo do tempo, os aeroportos foram colonizando novos territórios, que representam na perfeição a ideia da vida nómada e apressada. Uma sociedade em movimento permanente, devidamente documentada e escrutinada pelos scanners, reduziu as distâncias ao mesmo tempo que multiplicava as suas frustrações, na tentativa de introduzir o mundo inteiro num ecrã luminoso. A imagem dos aeroportos encerrados, vazios e silenciosos, causa ainda mais angústia, se possível, do que quando estão a abarrotar de passageiros frequentes, como as personagens interpretadas por George Clooney e Vera Farmiga em Up in the Air.

Céus encerrados anulam milhões de histórias humanas

Os protagonistas do filme dispunham de uma boa colecção de cartões, que lhes proporcionavam um leque de pequenos privilégios instalados na sua rotina, como bons conhecedores que eram das entranhas dos aeroportos e da arte de sobreviver nestes locais onde abundam as filas, as bagagens e a impaciência. Estes não-lugares impessoais e plastificados, como os definiu o etnólogo francês Marc Augé, ascenderam à categoria de metacidades a partir das quais se ruma às auto-estradas do céu. Apesar da sua marca impessoal, o chão imaculado do aeroporto de Singapura ou os ursos empalhados do aeroporto Ted Stevens de Anchorage (Alasca), que se interpõem entre o passageiro e o seu sonho numa dessas escalas after hours, tentam marcar a sua própria idiossincrasia. Temporariamente, os assuntos vitais passam a ser secundários porque todas as acções convergem para uma só: chegar.

De vez em quando, porém, um vulcão tosse e enche o céu de cinza. Esta contém partículas de rocha, cristais e areia. Poucas coisas há tão sofisticadas e tão nefastas como o material piroclástico produzido pelo insolente vulcão de fogo situado nos glaciares islandeses. Fecharam-se os céus da Europa e cancelaram-se milhões de histórias humanas. A arrogância do poder também foi afectada: as suas agendas foram anuladas, Angela Merkel teve de dormir em Portugal, uma grande parte dos mandatários mundiais foram impedidos - como se se tratasse de uma dupla fatalidade aérea - de participar nas cerimónias fúnebres de Lech Kaczynski e a rainha Margarida [da Dinamarca] acabou por ficar com muitas sobras dos canapés do seu 70.º aniversário.

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200 milhões de voos por ano em 2020

Calcula-se que em 2020 haverá mais de 200 milhões de voos por ano. Um céu sobrepovoado irá rasgar-se numa infinidade de rastos brancos, que, apesar de belos, irão contribuir para aquecer ainda mais a atmosfera. Esses rastos que apontamos às crianças, quando um avião passa como se fosse um anjo, são na verdade uma porcaria, que conviria reduzir urgentemente. Tal como deveriam humanizar-se os rituais de voo, nesta sociedade que vive entre a terra e o céu e que, apesar da sua eficácia higiénica e das suas torres que controlam o universo, ficou agora paralisada por uma massa esponjosa de formas orgânicas. Uma nuvem de cinza, como metáfora destes tempos voláteis.

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