“O volume de negócios do setor da cultura é mais elevado do que o do automóvel”

Uma das características da Europa é o apoio do Estado à produção cultural e à proteção do património. O gestor cultural belga acredita, no entanto, que a Europa e os Estados-membros não investem o suficiente neste setor.

Publicado em 14 Outubro 2014 às 10:51

Dilema Veche: Terá a Europa uma “alma”?
Hugo De Greef: Sim, sem dúvida alguma. O nome da nossa organização - "Uma alma para a Europa" — inspirou-se numa frase outrora proferida por Jacques Delors “a Europa precisa de uma alma”. Eu e os meus colegas da organização achamos que todos os europeus partilham a mesma cultura, que existem entre nós diversos laços que nos unem e que partilhamos o mesmo espírito, sobretudo hoje em dia. Queremos realçar a importância do coração da Europa. Só conseguiremos manter-nos unidos com a cultura. Por outras palavras, devemos ser “citizens driven through culture” (“cidadãos guiados pela cultura”).
Na altura em que se implementaram as bases da União Europeia, os fundadores tinham inicialmente em mente um projeto económico e político. Como explica que a cultura se tenha tornado nos dias de hoje um ponto importante na agenda pública europeia?
Na verdade, a cultura e a educação não tinham um papel significante quando as bases da União foram implementadas. O tema da cultura foi pela primeira vez evocado em 1992, no Tratado de Maastricht. Após este tratado foi criado o cargo de comissário europeu para a Cultura. O compromisso para com a produção e a difusão da cultura também surge num parágrafo do Tratado de Lisboa. Mas a cultura só começou a ter um papel importante em 2004, quando a União Europeia acolheu uma série de novos países membros. Pouco tempo depois, a Roménia e a Bulgária também aderiram à UE. Não foi por acaso que o ano de 2008 foi considerado o “ano do diálogo intercultural” pelo comissário europeu para a Educação, a Formação e a Cultura, o eslovaco Ján Figel (2004-2009).
Como definiria a cultura europeia? Quais são as suas principais características?
No seu sentido mais lato, a cultura representa um certo grau de civilização e um conjunto de valores. Esses valores foram resumidos num parágrafo do preâmbulo do Tratado de Lisboa. Fazem parte integrante da cultura europeia e são esses valores que a União Europeia quer transmitir. Mas se me pedisse uma definição estrita da cultura europeia, não saberia o que responder. O que é europeu na literatura, no cinema, no teatro, na dança, nas artes plásticas? Existem todo o tipo de influências vindas de todo o lado. O que é específico à Europa é a responsabilidade que o Estado assume para incentivar a produção cultural e proteger o património.
Poderá o sistema de financiamento atual na Bélgica ou na União Europeia censurar a criatividade?
No que diz respeito ao meu país, e sobretudo à região flamenga, posso dizer que, nestes últimos quinze anos, o sistema de financiamento evoluiu de forma considerável. A Flandres é a região da Europa com o maior número de instituições culturais. Existem inúmeros locais, incluindo em aldeias, onde as criações culturais podem ser expostas. Mas existem enormes diferenças na Europa em relação à forma como é apoiada a cultura.
Por exemplo, há cerca de três ou quatro anos, a Holanda foi atingida por uma onda de despedimento em massa no domínio cultural, resultando no encerramento de orquestras filarmónicas, teatros e óperas. Os orçamentos da cultura foram reduzidos em 40%. Em Espanha, os cortes ainda foram mais drásticos. Não se trata de censura, mas os efeitos acabam por não se afastarem muito dos da censura, porque as oportunidades de criação são destruídas.
No discurso político, diz-se muitas vezes, sobretudo em tempo de crise, que as despesas para a cultura são demasiado elevadas. Poderá a cultura ser um setor rentável?
Tudo depende da forma como se vê as coisas. Existem estudos muito sérios que comprovam que é rentável investir na cultura. Por exemplo, há alguns anos, a Comissão Europeia encomendou um estudo sobre o impacto da cultura na sociedade que revelou resultados surpreendentes. O volume de negócio do setor cultural supera o da indústria automóvel. Cerca de seis milhões de europeus, ou seja aproximadamente 3% da população da UE, trabalham nas indústrias culturais. Todos os valores indicam que o setor cultural é relevante. [[A cultura tem um custo, mas a sua prática gera dinheiro]].
Para além desta perspetiva pragmática, qual será a visão idealista? De que forma pode a cultura mudar a Europa?
Não é a melhor altura para oferecer uma visão idealista sobre a cultura. Quando o desemprego atinge níveis alarmantes, superiores a 20%, como em Espanha, e os financeiros explicam, com argumentos fundamentados, que o euro está em perigo, torna-se claro que existem outras prioridades. Mas acho que é evidente para qualquer pessoa que a cultural oferece um sentimento de pertença.

Entrevistado por Matei Martin

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