Foto: Martin Gommel

Os cafés são a "mãe" da Europa

Para o filósofo George Steiner, foram os cafés que fizeram a Europa. Depois destas eleições marcadas por uma grande abstenção, o diário catalão La Vanguardia lamenta o desparecimento destes locais de debate.

Publicado em 10 Junho 2009 às 17:29
Foto: Martin Gommel

Numa chávena de café concentra-se muito mais do que uma pausa e um estimulante. A sua cor negra contém um sentimento reparador e também um momento que simboliza o começo de um dia, o remate de um almoço ou o correr das horas mortas. Representa a ilusão de abrir o espírito a novas percepções, de varrer o aturdimento ou de aliviar o mal-estar. "Podíamos ir tomar um café", continua a ser uma boa fórmula para exprimir o desejo de um encontro, que implica confidências, proximidade, sociabilidade, no fim de contas. "Um cafezinho", dizemos com um assomo de ternura. O que importa é pronunciar essa palavra mágica, que dá sentido a um encontro e remete para a cultura da conversa. Desde a sua entrada na corte de Luís XVI até ao primeiro café florentino aberto ao público, esta bebida instalou-se nos salões cheios de espelhos e mesas de mármore que, com a Revolução Francesa, se converteram em espaços para filosofar e organizar tertúlias políticas e literárias. Eram lugares onde se conspirava e se namorava, se escrevia e se denunciava, se trocavam ideias e se meditava solitariamente. É o que conta – bem – Antoni Martí Monterde, na sua Poética do Café: "As suas mutações em tertúlia, em solilóquio ou mesmo em silêncio fariam parte da própria modernidade como modulações da voz."

Numa conferência proferida há cinco anos, em Amesterdão, e intitulada "Uma ideia de Europa", George Steiner pronunciou uma afirmação aparentemente frívola: "Enquanto houver cafés, a ideia de Europa terá conteúdo". Perante a grande abstenção e o autismo eleitoral destas últimas eleições – votaram 43,1%, o que significa que 56,9% não o fez, superando o mínimo histórico de 2004 – pergunto-me o que terá acontecido ao grande café da Europa. Desde a noisette de Les Deux Magots, o maquillato do Pedrocchi de Pádua ou o melangé vienense acompanhado pelos buchteln do Hawelka, o café tem sido a grande ágora do pensamento e da vida mundana do Velho Continente. A História da Europa tem sido entretecida com cafés antigos e modernistas que acolheram as vanguardas: o Florian, de Veneza, onde Giacomo Casanova seduzia as suas amantes e Proust tomava alento; a mesa do Flore, onde Sartre escrevia os seus textos sobre o existencialismo, ou o Antico Caffè Greco de Roma – considerado como o umbigo do mundo – que inspirou lorde Byron, Schopenhauer, Wagner, Henry James e Leopardi, e também os espanhóis Fortuny e Rosales, com os seus lanches. Contudo, hoje, já não são clubes do espírito e os empregados não andam de laço de borboleta ao pescoço; só nos chamam pelo nome, mas de forma forçada, no Starbucks. As pessoas estabelecem mais relações nos ginásios, nos aviões e nos cabeleireiros do que nos cafés. A Europa, cada vez menos apaixonada por si mesma, está cheia de espaços anti-sociais e é fustigada por ventos pragmáticos e resolutivos. A socialização faz-se na Internet, diante da solidão higiénica do ecrã. Sem espirais de fumo nem poemas escritos em toalhas de papel, e com cafés célebres como o Canaletes e o Zurich enterrados sob tijolos, a Europa do outlet e do top manta [venda de CDs e DVDs ilegais nas ruas], da cabina telefónica e do cibercafé, opta pela segurança em detrimento da experiência. Apesar disso, entre colunas robustas e cafés crème, os verdes renascem no Velho Continente. E, das cinzas do tão vilipendiado Maio de 68, Daniel [Cohn-Bendit] o Vermelho – que, segundo o Libération, foi o único a falar da Europa em vez de se debruçar sobre querelas de cariz local – limpa o pó à velha utopia descafeinada.

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