Notícias Integração europeia

Paris e Berlim jogam cartada em Bruxelas

O “pacto de competitividade” não é tanto uma tomada franco-alemã da UE, mas mais uma etapa em direção a uma Europa Federal, defende o colunista Anatole Kaletsky no Times. Razão pela qual o seu esboço de governação económica da zona euro não tende a aliviar os efeitos da crise financeira.

Publicado em 9 Fevereiro 2011 às 15:54

Oficialmente conhecidas por pacto de competitividade, essas propostas foram orgulhosamente apresentadas pelo Presidente Sarkozy e pela chanceler Merkel como o há muito desejado embrião de um “governo económico europeu”. Procuram harmonizar seis áreas muito controversas da política económica e social nos países da zona euro: impostos sobre o rendimento de pessoas coletivas, sistemas de pensões de reforma, negociações salariais, níveis de instrução, limitação da dívida pública e regimes de gestão de bancos em situações de aflição.

Considerando o fundo eurocético de Cameron, a ausência de manifestações de oposição pode ter sido uma surpresa. Porque está o Governo britânico aparentemente tão descontraído em relação a este enorme passo no percurso da UE para o federalismo pleno? A resposta reside num equívoco de proporções épicas: o presente avanço para o federalismo económico seria meramente uma inevitável resposta ad hoc às crises financeiras que a Grécia, Irlanda e Espanha desencadearam com a crise do crédito de 2008.

A esperança de Whitehall é que este programa de centralização venha a ser tranquilamente abandonado, ou até revertido, assim que a crise acabar; mas a maior probabilidade é a oposta. As novas instituições e acordos inspirados pela crise do euro serão características permanentes da paisagem política europeia, evoluindo continuamente para o governo federal pleno que Jacques Delors, Helmut Kohl e Margareth Thatcher bem anteviram ser a consequência inevitável da decisão europeia de criar uma única moeda e uma União Monetária.

Visão alemã de uma Europa Federal

O plano da cimeira da semana passada ilustra perfeitamente esse processo. A proposta de harmonização de políticas tributárias, laborais e dos regimes de pensões não resulta diretamente da crise do euro e não vem facilitar o crédito à Grécia ou à Irlanda. Pelo contrário, a Irlanda pode sofrer saídas de capital e de emprego, se for forçada a harmonizar os seus impostos para níveis alemães e franceses. A centralização das negociações salariais por toda a Europa, em vez de permitir que os países pobres se tornem mais competitivos, valendo-se de uma mão-de-obra barata, pode criar um mecanismo de proteção para os elevados salários e cargas sociais alemães e franceses. Em suma, a proposta da semana passada não foi tanto uma tentativa de resolver a crise do euro como um esforço para a explorar, no sentido de avançar as iniciativas euro federalistas que estiveram paradas durante anos.

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A Alemanha, em particular, viu na crise a oportunidade ideal para promover a sua visão de uma Europa Federal, em que todos os países-membros são forçados a cumprir regras orçamentais estritas e negociações salariais centralizadas, promovendo uma rede de segurança social generosa e a coleta de impostos relativamente elevados para a pagar. Trata-se de um modelo atraente, mas pouco suscetível de resultar nos países mais pobres e menos organizados da Europa Central e do Sul.

Presentemente, a Alemanha tem as rédeas na mão, mas as relações de poder alterar-se-ão rapidamente quando (e se) a crise do euro for contida. Assim que a Alemanha assine as garantias financeiras irrevogáveis para resolver as dívidas de outros países do euro, as condições políticas impostas como um quid pro quo deixarão certamente de vigorar. É quase certo, por exemplo, que as penas supostamente “automáticas” para quem não cumprir as regras orçamentais – que é provável a Alemanha conseguir em troca das suas garantias financeiras – serão rapidamente ignoradas, tal como aconteceu à “cláusula de não ajuda” que dizia que os membros da zona euro nunca assumiriam as dívidas uns dos outros.

Uma Europa a várias velocidades

O mesmo é provável que aconteça à insistência da Alemanha para que a harmonização da UE seja cada vez mais controlada por cimeiras de líderes nacionais, e não pelos comissários da UE em Bruxelas. A Comissão é o único mecanismo executivo das decisões intergovernamentais e tudo na história da UE sugere que esteja prestes a alcançar o controlo total. Além disso, todos os outros membros da zona euro estão decididos a não ser governados pela Alemanha, ou mesmo por um diretório franco-alemão. Assegurar-se-ão de que as principais responsabilidades de “governação económica” passem rapidamente para a Comissão, assim que a Alemanha assine as garantias irrevogáveis de estabilização financeira do euro e perca assim o seu poder de veto.

Por falar em vetos, voltemos à posição da Grã-Bretanha. O Governo britânico considera a preferência alemã por mecanismos intergovernamentais muito tranquilizadora e não se sente afetado pelos desenvolvimentos da UE que se confinam à zona euro. Mas é ilusório que a Grã-Bretanha possa impedir uma maior integração da UE. Se os 17 países-membros da zona euro avançarem inexoravelmente no sentido de uma união económico-política, os interesses de um tal bloco político coeso tornar-se-ão dominantes em todas as instituições da UE.

Os países fora da zona euro, em especial a Grã-Bretanha, terão então que enfrentar a realidade de uma Europa a várias velocidades, com um núcleo federal plenamente integrado e uma aliança muito mais frouxa dos parceiros comerciais não participantes da Moeda Única. Esta visão da Europa tem aspetos muito recomendáveis, mas foi um cenário que os sucessivos governos britânicos se esforçaram por evitar durante décadas. E que agora se torna um facto.

Reações na Bélgica

Angela Merkel tem razão

"Ninguém faz mais por nós do que Angela Merkel", assegura Bart Sturtewagen. O editorialista do [Standaard](http://www.standaard.be/) não compreende por que motivo a chanceler alemã é tão criticada pelo seu projeto de pacto de competitividade. "Graças à Alemanha, a economia belga começa a restabelecer-se", estima o editorialista para quem, sem "a posição firme de Merkel", os mercados financeiros teriam continuado a especular contra o euro. "As taxas de juro não baixaram apenas na Alemanha, mas em todos os países mais fracos da zona euro, como a Bélgica, que tem de pagar juros acrescidos, aquilo a que se chama spread". Bart Sturtewagen não partilha as críticas de alguns economistas que consideram "a Alemanha de Merkel implacável e egoísta": "A prosperidade alemã terá de ser partilhada para poder manter-se, mas isso nunca irá acontecer se os países da zona euro não provarem que estão prontos para fazer o seu trabalho”. "Sem convergência política", conclui o jornalista, "este projeto não irá durar muito tempo".

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