Património Mundial não beneficia Amesterdão

A UNESCO acaba de classificar a rede de canais de Amesterdão como Património Mundial da Humanidade. Mas, considera o "NRC Handelsblad", esta distinção degradou-se e não deve ter consequências no turismo e na modernização da cidade holandesa – nem de outras localidades europeias.

Publicado em 6 Agosto 2010 às 14:09

Os partidários da nomeação, entre eles políticos da cidade e a muito conservadora associação para a proteção do património Amigos do Centro de Amesterdão, veem neste [título concedido pela UNESCO](http://whc.unesco.org/fr/list/1349, http://whc.unesco.org/en/list/1349/) a distinção suprema. E há quem veja nisso uma galinha de ovos de ouro, que atrairá numerosos turistas. Não obstante, a consultora PricewaterhouseCoopers calculou, em 2008, que o aumento médio do número de turistas, no caso de nomeação pela UNESCO, seria de apenas alguns pontos percentuais. Os seus partidários preveem igualmente uma mudança do tipo de turistas que visitará a cidade: os "barulhentos britânicos" deverão dar lugar a visitantes cosmopolitas endinheirados. Contudo, parece que poucos turistas estão a par dos lugares que visitam e que têm o rótulo da UNESCO.

UNESCO vai tornar-se o Starbucks do património

Além disso, outrora este título era reservado a paisagens naturais ameaçadas e a cidades e monumentos verdadeiramente excecionais e vulneráveis. Hoje, todavia, figuram na lista [mais de 900 nomes](http://whc.unesco.org/en/list, http://whc.unesco.org/fr/list/), e todos os anos são acrescentadas, em média, 26 novas nomeações. Esta proliferação provoca uma desvalorização do título. Os americanos ávidos de emoções culturais podem sair da Holanda e visitar Aix-la-Chapelle, Colónia, Bruxelas, Bruges ou Bath para verem património da UNESCO. Em breve, a organização vai ser o Starbucks do património mundial.

Segundo os seus adversários, com os ruidosos militantes do groupo de intervenção Ai Amsterdam à cabeça, esta nomeação será o golpe de misericórdia para o centro da cidade. Amesterdão vai tornar-se um enorme Begijnhof [bairro medieval perfeitamente preservado], um museu de ar livre ultrarregulamentado. Temem que a capital holandesa se transforme, à semelhança de Bruges, numa cidade-museu abandonada, parecendo ignorar que a cidade belga só foi inscrita na lista em 2000, muito depois de a sua "museificação" ter começado.

Diz-se também com frequência que a inscrição de Amesterdão na lista da UNESCO é uma prova do seu "aburguesamento". O que equivale a esquecer que, em matéria de proteção do património, a capital tem regras ainda mais estritas que as da UNESCO. .

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UNESCO não é um cavalo de Troia

O receio de que a pressão dos regulamentos vá crescendo e de que os poderes públicos se imiscuam em tudo não tem fundamento. A UNESCO não é um cavalo de Troia, a velar discretamente para que não haja publicidade nas fachadas e sejam proibidas novas construções. O regulamento da organização prima pelo caráter vago e deixa grande margem para interpretações. Mesmo em Veneza, o protótipo da cidade-museu – onde, desde 1950, o número de habitantes diminuiu para menos de metade – há margem para a modernização e o comércio. E assim é que, há dois anos, apesar de vivos protestos da população, foi aberta uma nova ponte high-tech, da autoria do arquiteto espanhol Santiago Calatrava. E também há vários anos, painéis publicitários cobrem algumas das mais bonitas fachadas do Grande Canal e da Praça de São Marcos. E isto apesar (ou por causa?) da UNESCO e com o apoio dos responsáveis locais do património.

E agora? Pois continuemos simplesmente a fazer como se a UNESCO não existisse. É necessário ter ido muito longe ou ter mau perder para que a UNESCO retire um lugar da sua lista. Quando Dresda foi retirada da lista, em 2009, devido à construção de uma nova ponte, o Frankfurter Rundschau escreveu, com toda a razão: "A UNESCO chegou certamente a uma decisão, mas não acertou na solução". Dresda optou pela inovação, sacrificando o lugar na lista. A UNESCO perdeu uma aquisição, mas também perdeu parte dos seus partidários.

Amesterdão deve seguir o exemplo de Dresda e utilizar o seu lugar na lista do Património Mundial para pô-lo à discussão e para mostrar a todos os cidadãos, aos turistas e sobretudo à UNESCO que, uma cidade histórica de "valor universal excecional", uma cidade pode também demonstrar modernidade e determinação. Não deve deixar-se dissuadir de construir arranha-céus no bairro Overhoeks (ao norte da cidade) – proibidos pelo regulamento da UNESCO – ou uma nova ponte ao lado do Amstel Hotel. Se os habitantes de Paris – que acolhe a sede da UNESCO – tivessem obedecido aos seus critérios, o Centro Pompidou ou a pirâmide de vidro do Louvre nunca teriam visto a luz do dia, o que teria sido uma grande perda.

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