"Viena Feliz" - Detalhe de um cartaz do SPÖ para as eleições locais de 1959.

Próspera mas descontente

Depois das eleições gerais de 29 de setembro, a grande coligação mantém-se no poder na Áustria, apesar da queda do apoio aos dois maiores partidos políticos do país, que conquistaram pouco crédito pela boa gestão que o Governo cessante fez da crise financeira e do desemprego.

Publicado em 2 Outubro 2013 às 16:32
"Viena Feliz" - Detalhe de um cartaz do SPÖ para as eleições locais de 1959.

A palpavelmente próspera Áustria é um dos países de sucesso na Europa: tem a menor taxa de desemprego do continente e, apesar da crise financeira mundial e da turbulência na zona euro, ainda consegue crescer, devido à sua ligação à robusta economia da Alemanha e ao facto de fazer parte da União Europeia, mas sobretudo devido à abertura dos antigos territórios dos Habsburgo após a queda da Cortina de Ferro, em 1989.

No entanto, nas eleições no último fim de semana, partidos que abraçam uma linha populista de direita peculiarmente austríaca conseguiram arrecadar mais de um quarto dos votos – um pouco menos que em 2008, quando o político de direita Jörg Haider (que viria a morrer apenas duas semanas mais tarde, num acidente de automóvel) se revelou a terceira força política do país, numa significativa manifestação do mal-estar na Europa.

Trata-se de uma mensagem preocupante para o Governo europeísta – os dois maiores partidos são parceiros de um casamento centrista, da esquerda e da direita, que tem governado grande parte dos últimos 30 anos. Apesar de terem aguentado a crise económica da Europa com reconhecida habilidade, estão a perder crédito e cada um deles registou o seu pior resultado eleitoral desde 1945.

Os dois partidos continuam a ter maioria, com 99 dos 183 assentos parlamentares, e vão provavelmente continuar a sua “grande coligação”, embora a prestação da extrema-direita, com muito poucas possibilidades de governar, ainda consterne os habitantes cansados da xenofobia insular austríaca e da experiência do nazismo. Os votantes no Partido da Liberdade evidenciam uma “nula consciência histórica”, segundo Georg Hoffman-Ostenhof, colunista da revista Profil.

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Burocracia distante e sem rosto

Se os resultados dizem muito sobre a Áustria, também abrem mais um capítulo nos problemas da União Europeia. Por todos os 28 Estados, os eleitores encaram a instituição em grande medida como uma burocracia distante e sem rosto, remetida para Bruxelas. Continuam a votar com horizontes locais, mesmo que o êxito atual ou a sua futura riqueza e crescimento dependam cada vez mais de intervenções de âmbito global, baseadas no peso que quase 500 milhões de pessoas atribui à União. [[Ser relativamente próspera na Europa – a Áustria tem uma taxa de desemprego de 4,5% – não tem grande expressão nas urnas]], observa Andreas Schieder, vice-ministro social-democrata das Finanças desde 2008: “As pessoas não passam o dia a fazer comparações”, só julgam pela experiência quotidiana.

O descontentamento dos trabalhadores indiferenciados pelo desaparecimento dos seus empregos tem-se traduzido, ao longo dos últimos 20 anos, em predisposição para o abandono dos sociais-democratas e para o voto nos populistas, segundo revelam as análises dos resultados eleitorais. Outros, mesmo de espírito liberal e norteado pelos negócios, determinam o seu voto por questões decididamente locais – como seja a protelada revisão do ensino.

Nestes se incluem pessoas como Bernhard Hoetzl, de 41 anos, que se orgulha de empregar pessoas de oito países na sua recém-criada empresa de ponta, a kompany.com, que faz a triagem de milhares de milhões de páginas de informação governamental, produzindo perfis de empresas que permitam melhorar o comércio internacional. Também ele abandonou as formações políticas tradicionais, mas para votar num novo partido ligado aos grandes industriais [Nova Áustria], que entrou para o Parlamento à primeira tentativa.

Hoetzl, que já trabalhou em Dublin, Londres e na Suíça e esteve em lugares como a Universidade de Stanford, encarna a Áustria bem-sucedida do séc. XXI, mas também os seus paradoxos: prosperidade acompanhada por descontentamento populista; uma nação dada a surtos de xenofobia insular, mas onde, cada vez mais, as pessoas como ele apreciam a diversidade e rejeitam a retórica antiestrangeiros.

Formação com apoio do Estado

Um dos seus 14 empregados é Adrián Bolonio, de 27 anos, licenciado em Informática por Alcalá de Henares, nos arredores de Madrid. Há treze meses, Bolonio, que como a maioria dos seus pares espanhóis estava sem trabalho, comprou um bilhete só de ida para Viena e foi almoçar com Hoetzl. Nessa tarde, tinha o seu trabalho e agora mora em Viena com a namorada italiana. Sentem falta do sol e da cultura de rua do Sul da Europa, confessa. Mas “quando é preciso comer, há que trabalhar”.

Essa visão de futuro ajuda a explicar o aparente descontentamento de um povo que, ao que tudo indica, vive muito melhor do que a maioria dos europeus. [[Como os alemães, que tiveram eleições antes deles, os austríacos não fizeram como outros dez países da Europa, que correram com os respetivos governos]]; mas mesmo assim, preocupam-se com o que pode correr mal no futuro.

Johannes Kopf dirige o Arbeitsmarkt Service, organismo estatal de apoio ao mercado de trabalho, geralmente conhecido pela sigla AMS. Diz que os colegas europeus e norte-americanos lhe perguntam frequentemente como conseguiu a Áustria manter o desemprego, sobretudo de jovens, relativamente tão baixo. Explica-lhes que, quando alguém perde o emprego, o Estado intervém com determinação.

Se é precisa formação, por exemplo, em Informática ou língua alemã, o desempregado vai fazê-la, com o apoio do Estado. Quando o serviço envia candidatos a entrevistas de emprego, acrescenta um incentivo financeiro para o empregador escolher o que está desempregado há mais tempo. A luta contra a falta de habilitações e o desemprego de longa duração é, a seu ver, fundamental para preservar a coesão social em que foi construída a Áustria, e na realidade a Europa, no pós-guerra.

Segundo as suas estatísticas, a Áustria ocupa a quarta posição – depois da Dinamarca, Holanda e Bélgica – em investimentos per capita no combate ao desemprego de jovens. Mesmo assim, as suas estatísticas apontam que o desemprego de longa duração representa um quarto da falta de colocações na Áustria – em comparação com a estonteante média europeia de 44,4%. “É um grande problema na Europa. E põe o projeto europeu em perigo.”

Visto da Alemanha

Na Áustria, os antieuropeus não foram os únicos a vencer

Despite the good showing of the populist parties in the legislative elections of September 19, "Austria has not fallen into the populist trap," writes Die Welt.
Apesar do bom resultado dos partidos populistas nas eleições legislativas de 19 de setembro, “a Áustria não caiu na armadilha populista”estima Die Welt. De facto, segundo o diário alemão e contrariamente às ideias preconcebidas, o chefe do partido Team Stronach não é xenófobo e não pode, portanto, ser comparado ao FPÖ, o partido de extrema-direita que ficou na terceira posição nas eleições.

Die Welt também saúda o sucesso do novo partido liberal Die Neos:

Ainda não sabemos como vai evoluir este partido que obteve imediatamente 4,8% dos votos. […] Mas difere, pelos vistos, dos liberais que fracassaram na Alemanha: jovens e móveis. Entusiastas, abanam a bandeira da liberdade. Graças a eles, um partido pró-europeu liberal é representado, pela primeira vez desde 2002, no Parlamento.

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