Tanques russos saíndo da Ossétia do Sul, a 24 de Agosto de 2008 (AFP)

UE, um Julgado de Paz muito tímido

Num relatório europeu publicado no passado dia 30 de Setembro, a Geórgia é tida como responsável pelo eclodir da guerra com a Rússia, em Agosto de 2008. Moscovo é também acusada de provocações e de uma reacção desproporcionada. Conclusões moderadas que deixam inúmeras questões em aberto, considera a imprensa europeia.

Publicado em 1 Outubro 2009 às 18:14
Tanques russos saíndo da Ossétia do Sul, a 24 de Agosto de 2008 (AFP)

Com o eclodir da guerra russo-georgiana (7-12 de Agosto de 2008), devido a uma derrota da Geórgia e à independência autoproclamada das duas regiões separatistas – Ossétia do Sul e Abecásia –, Moscovo e Tbilisi travam-se de razões para saber qual das duas é responsável por esta guerra.

Um inquérito mandado instaurar pela União Europeia (UE) para apurar as origens do conflito, por uma questão de apaziguamento, foi agora divulgado. O relatório conclui que foi a Geórgia a declarar guerra à Rússia e, simultaneamente, acusa Moscovo de ter feito crescer a tensão com sucessivas provocações. Confirma a "limpeza étnica" que vitimou cidadãos georgianos e refuta todas as justificações apresentadas pela Rússia para invadir a Geórgia.

Para cima de um milhão e meio de euros. Foi a soma despendida para descobrir que foi a Rússia a "inflamar" a região do Cáucaso, em Agosto de 2008, e a Geórgia a originar, na realidade, o conflito na Ossétia, ironiza o diário polaco Dziennik Gazeta Prawna. "Se o relatório da UE custou tanto dinheiro e chegou tão tarde, é porque a UE não queria explicar nada mas, sobretudo, tranquilizar os dois países."

Este Verão, a revista Der Spiegel publicou as conclusões do inquérito mandado instaurar pela UE, devastadoras para o Governo da Geórgia. Este não tardou a vir a público dizer que determinados peritos da Comissão Europeia se encontravam "a soldo" do gigante energético russo Gazprom, como escreve o diário de Varsóvia. Novos peritos foram nomeados, entre os quais peritos polacos. Um deles revelou ao jornal polaco que a nova equipa tinha por missão exonerar a Geórgia de toda e qualquer responsabilidade pelo eclodir do conflito.

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E foi o que veio a acontecer. Os ossetianos não foram vítimas de um genocídio georgiano, mas a operação militar da Geórgia decorreu ao arrepio do direito internacional, concluem os peritos. "Oportunismo? Não. Geopolítica!", escreve o Dziennik Gazeta Prawna, que sublinha o facto de a UE ter feito um julgamento de Salomão. "Castigar apenas a Geórgia teria feito subir a pressão sobre o país, mas responsabilizar apenas a Rússia seria uma calúnia", conclui o diário.

O Ocidente precisa da Rússia, não da Geórgia

A opinião dos peritos reunidos sob a égide de Heidi Taglavini não surpreende nada Zbyněk Petráček, o cronista do jornal Lidové Noviny. "Os especialistas não se debruçaram sobre questões políticas e jogos de poder (...), nem colocaram a questão de saber o motivo que levou o país A a disparar sobre o país B, mas apenas quem disparou em primeiro lugar." A posição de Bruxelas, defende Petráček, não toma em consideração o facto de a Rússia ter provocado a Geórgia, nomeadamente quando começou a distribuir passaportes russos pelos habitantes da Ossétia do Sul.

"Enquanto o presidente Mikheïl Saakachvili se mantiver no poder, a Geórgia continuará a ser um perigo para a NATO", considera o diário alemão Frankfurter Rundschau. "Qualquer pessoa honesta retiraria imediatamente a promessa feita à Geórgia de adesão à NATO [no decorrer da cimeira de Bucareste, em 2008]". O presidente Saakachvili deveria ser um membro "do mesmo género do presidente afegão Hamid Karzai, figura aceite, à falta de melhor". Como os EUA, refere-se por último, Moscovo é um membro inevitável na cena internacional. "Reside aqui toda a diferença. O Ocidente precisa da Rússia. Mas não precisa da Geórgia", considera o diário alemão.

Ao desmentir a tese defendida até hoje com unhas e dentes por Saakachvili, segundo a qual a ofensiva do seu país não passou de um acto de legítima defesa, o relatório da UE é uma afronta que deixa o presidente da Geórgia numa situação delicada. "O Cáucaso é uma região mais complicada do que à primeira vista podemos pensar. A prontidão do presidente georgiano em colocar-se à frente das câmaras de televisão da CNN não lhe confere, por si só, qualidades de democrata", comenta The Guardian no seu editorial. "Este inquérito deveria servir para aumentar a prudência de quem manifesta opiniões precipitadas sobre a Rússia e os países vizinhos".

Todos os campos violaram o direito internacional

"Aquilo que poderia ter sido evitado transformou-se no eclodir de uma guerra encarniçada que não só alterou as posições no terreno como também as relações entre o Ocidente e a Rússia", resume Heidi Tagliavini, presidente da missão da UE, nas páginas de El País. Lamentando a falta de iniciativa da comunidade internacional para reagir a uma situação que já era preocupante antes de 2008, considera a situação uma "espiral mortal de confrontos". Para Tagliavini, este conflito justifica-se, sobretudo, pelo facto de todas as partes envolvidas terem ignorado o direito internacional e humanitário: "mesmo que seja verdade que foi a Geórgia a dar início às hostilidades (…), todos os campos (…) violaram o direito internacional", escreve no seu artigo de opinião intitulado "Geórgia, a oportunidade perdida".

A União Europeia distribuiu a culpa pelos dois protagonistas – "e ocultou o seu próprio papel", estima, por seu turno, o jornal Der Tagespiegel, que refere os crescentes meios de provocação e nervosismo existentes na região. "Os europeus deviam pronunciar-se sobre o motivo que os levou a não actuarem mais depressa. Não nos esqueçamos de que, cinco dias depois, a França conseguiu negociar um armistício. Uma intervenção corajosa, que ultrapassasse o conflito, não teria conseguido evitá-lo?", questiona o diário berlinense.

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