Observadores da UEMM, na fronteira da Geórgia com a Ossétia do Sul, em Julho de 2009. (AFP)

Um ano de paz podre

Um ano depois da guerra relâmpago entre a Geórgia e a Rússia, a tensão sobe entre os dois países, que se acusam de querer romper a trégua. Encarregada de vigiar o cessar-fogo e o respeito pelos acordos de paz, a União Europeia interroga-se sobre o seu papel, caso o conflito recomece.

Publicado em 6 Agosto 2009 às 15:28
Observadores da UEMM, na fronteira da Geórgia com a Ossétia do Sul, em Julho de 2009. (AFP)

A nível local, a tensão "é muito forte, ainda que com qualquer coisa de surrealista", escreveo Il Sole 24 Ore, para o qual *"*nada de novo põe em causa a situação anormal que se instalou há um ano, ao fim de cinco dias de confrontos: a Ossétia do Sul e a Abcázia estão nas mãos de Moscovo, apesar de (quase) toda a gente considerar que ainda fazem parte da Geórgia; as fronteiras são vigiadas por 3 700 soldados russos, os membros da Missão de Observadores da União Europeia na Geórgia(EUMM, European Monitoring Mission in Georgia) zelam pelo respeito do cessar-fogo e o Presidente georgiano Mikheil Saakashvili mantém-se no cargo, embora numa posição seriamente enfraquecida pela guerra, pela crise económica e pelos protestos da oposição".

União Europeia não tem 'doutrina' de crise

Por outro lado, a guerra "devolveu à Rússia o seu papel de actor de primeiro plano – e temível – na cena internacional", salienta o chefe de redacção da revista [Russia in Global Affairs](http://eng.globalaffairs.ru/)n, Fiodor Lukianov, numa entrevistaao diário polaco Gazeta Wyborcza. Além disso, acrescenta Lukianov, "a guerra interrompeu o processo de alargamento da NATO, ao mostrar que o risco de um dos seus Estados Membros se ver envolvido num conflito armado é real".

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De facto, numa entrevistaao diário francês Le Monde, o director do centro Rússia-NEI do lnstituto Francês de Relações Internacionais (IFRI), Thomas Gomart, manifesta uma opinião idêntica. "Washington considera agora que não se deve apressar a entrada da Geórgia e da Ucrânia na NATO, para evitar a destabilização da região", diz, salientando entretanto que, "desde o fim da guerra, a Rússia", atingida pela crise económica, "perdeu parte da sua influência". "A atitude dos europeus acabou por ser a que menos mudou, apesar de serem eles aqueles a quem o conflito diz mais directamente respeito", sublinha igualmente Thomas Gomart. Depois do afastamento, a pedido de Moscovo, das missões da OSCE (Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa) e da ONU, os observadores da União Europeia são agora os únicos presentes no terreno. E – frisa ainda – se, num futuro próximo, tivesse de tomar partido pelos russos ou pelos georgianos, em caso de recomeço do conflito, "a UE não possui uma doutrina de reacção".

Aproveitando a ausência de progressos dos esforços diplomáticos patrocinados pela UE, que decorrem desde há cerca de um ano, Moscovo e Tbilissi entraram, presentemente, numa "corrida [destinada] e reafirmar perante o mundo as razões que levaram" o Presidente Saakashvili "a *tentar recuperar o controlo" da Ossétia do Sul e induziram "o Kremlin a decidir impedi-lo de o fazer", observa o Il Sole 24 Ore. O El Pais explicaque, para os dois beligerantes, se trata de convencer a Missão de Inquérito Internacional Independente sobre o conflito na Geórgia, dirigida pela diplomata suíça Heidi Tagliavini e também colocada sob a égide da UE, da justeza das respectivas razões. Esta Missão deverá entregar o seu relatório sobre as origens e o desenrolar do conflito, em fins de Setembro, mas o Tagesspiegel julga saber que o grupo liderado por Heidi Tagliavini já concluiu que a Geórgia contribuiu inegavelmente para a eclosão da guerra. Não obstante, escreve este diário de Berlim, a UE deveria reconhecer que aquele país não violou o direito internacional. A Geórgia ainda está longe de ser uma democracia, tal como esta é definida no Ocidente, conclui o Tagesspiegel, mas os peritos estão de acordo em afirmar que aquele país "*só tem hipótese de se democratizar, se se virar para a Europa".

Rumo a um novo conflito?

Entretanto, escreve o Il Sole 24 Ore, as duas partes comportam-se "como se quisessem recriar um cenário que, como há um ano, poderá conduzir inevitavelmente à guerra: ao acusarem, a 4 de Agosto, os georgianos de terem disparado morteiros contra Tshkinvali, a capital da Ossétia do Sul, os russos elevaram o nível de alerta e iniciaram manobras militares ‘preventivas’.Tshkinvali encerrou o último troço de fronteira ainda aberto com a Geórgia, a pretexto de evitar provocações e, também, a difusão da gripe A. Tbilissi nega ter violado as tréguas e a existência de qualquer plano de ataque e acusa Moscovo de querer alterar as fronteiras, ainda que os observadores europeus não tenham forma de o provar". Apesar do nível de tensão elevado, os analistas estão divididos quanto a um recomeço iminente das hostilidades.

No diário parisiense Le Figaro, Alexander Golts, especialista russo em assuntos geoestratégicos, afirmaque "a Rússia não tem nenhuma razão para se envolver num conflito", uma vez que já atingiu o seu objectivo: mostrar ao Ocidente as suas veleidades de hegemonia no Cáucaso. Pavel Felgenhauer, outro especialista russo em assuntos militares, afirma, pelo contrário, que *"a Rússia está a preparar o terreno para uma nova guerra contra a Geórgia", desta vez, claramente com o objectivo de "derrubar o regime*" de Mikheil Saakachvili.

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