“Seu fazedor de dívida miserável!”

Um espantalho chamado Europa

Paraíso da eutanásia, pátria do socialismo, berço da crise da dívida… na campanha presidencial dos
republicanos americanos, a Europa aparece como o modelo a evitar a todo o custo.

Publicado em 5 Março 2012 às 15:22
“Seu fazedor de dívida miserável!”

Na Europa os velhos decrépitos são mortos, os capitães são os primeiros a abandonar os navios de cruzeiro que se estão a afundar, a instabilidade do euro é um foco de infeção perigoso para o resto do mundo, os pesados e proibitivos Estados providência asfixiam o dinamismo económico e são os jovens que pagam a fatura da crise.

Apesar de mais de 65 anos de bons e leais serviços, os antigos aliados europeus estão na berlinda na campanha para as presidenciais norte-americanas: parecem uma daquelas cabeças de feira, em que os candidatos republicanos à presidência têm prazer em bater.

O facto de, durante as campanhas eleitorais, os políticos, se insurgirem uns contra os outros faz parte do jogo. Rick Santorum não é o primeiro conservador a clamar, com pouco respeito pela realidade, que, após a aprovação da lei da eutanásia, os idosos deixaram de estar em segurança na Holanda. Mas na atual campanha, as coisas chegaram a um ponto nunca antes visto. E há ainda mais qualquer coisa que é difícil para os europeus: uma certa piedade. Como se a Europa já não tivesse qualquer importância.

Obama é um "socialista europeu"

Nas reuniões de campanha republicanas fala-se da China, da Índia, do Brasil. Os candidatos ainda não têm a certeza se estas potências emergentes constituem um perigo ou uma oportunidade. Mas, de qualquer maneira, são consideradas como o futuro. A Europa representa o passado. Ou não se fala dela ou é citada apenas como exemplo daquilo que não se deve fazer. “A Europa não funciona, nem na Europa nem aqui”, gosta de repetir Mitt Romney.

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Usa o Estado providência europeu como um bastão com que bate em Obama. Para os republicanos o Presidente democrata “vai buscar inspiração às capitais europeias”. Defende uma política em que o cidadão, amante da liberdade, não pode tirar pessoalmente partido do dinheiro que duramente ganhou mas tem de ceder uma grande parte a um Estado todo-poderoso que o redistribui pelos outros.

Um tal Estado providência à europeia contraria a “alma da América”, proclama Romney em todas as etapas da sua campanha e, de todas as vezes, é recebido com aplausos. Quem é pró-americano tem que ser antieuropeu e, por isso mesmo, antiObama. Esta lógica nada subtil de retórica eleitoral de Romney funciona. Newt Gingrich vai ainda um pouco mais longe. Descreve Obama como um “socialista europeu” que tenta impor uma ideologia hostil e estrangeira aos americanos.

Líderes europeus podem rir-se dos Estados Unidos

Os factos são um conceito elástico em período eleitoral. A Holanda não é um “campo de extermínio” (“killing field”) para as pessoas de idade. A Europa não é uma terra de abundância social e Obama não é socialista. E nem mesmo os republicanos são darwinistas disfarçados. Apesar de, em teoria, fazerem uma campanha contra os poderes públicos, as sondagens de opinião mostram que o eleitor republicano não quer, na verdade, que os programas sociais a favor das pessoas idosas e dos doentes “para os quais pagaram durante uma vida inteira” sejam alterados. Mas essas nuances tendem a desaparecer durante as campanhas eleitorais. Em campanha, o que vale são os contrastes. Por isso, as eleições deformam rapidamente a imagem.

“A única maneira de [os europeus] manterem os seus caríssimos Estados providência é imporem aos jovens contratos de trabalho temporários com salários baixos”, escrevia, em janeiro, no New York Times, o cronista Adam Davidson. Na opinião de Davidson, os líderes europeus podem sempre rir-se dos Estados Unidos no que se refere às desigualdades e à ausência de regime de proteção social, mas a Europa desampara os seus jovens por causa dos mais velhos. A América também tem uma enorme dívida, mas a sua competitividade está intacta. “Vamos ter uma retoma do nosso crescimento”, escreve ele.

Mesmo neste caso podemos levantar objeções. A mobilidade social é maior na Europa do que nos Estados Unidos. Mas domina a imagem negativa de esclerose. O desemprego dos jovens é um barómetro. Em Espanha, é quase de 50%, na Grécia, de 48%. Os Estados Unidos estão muito abaixo, com apenas 18%. Mas um cronista do Wall Street Journal afirma que é relativamente elevado e teme que a “lassidão” europeia ameace os Estados Unidos. Cá estamos de novo. A Europa é um espantalho.

De tempos a tempos, apesar de ser raro, ouvimos alguma coisa positiva. Durante a festa pela vitória de Romney em New Hampshire, Richard Breeden não cabia em si de contente. O seu candidato tinha ganho. Tem 62 anos e trabalhou para Bush (pai) na Casa Branca. “Temos de estabilizar a Europa, isso tem uma importância vital para nós.” Palavras que ressoam como uma voz vinda do passado.

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