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Um mercado pouco comum

Por toda a Europa, podem comprar-se as mesmas tijoleiras, os mesmos queijos, os mesmos sapatos e os mesmos automóveis. Mas, na verdade, os obstáculos à livre circulação de bens são tantas que o "mercado comum" nem sempre passa do papel.

Publicado em 10 Agosto 2010 às 13:42

O único grande projeto que amadureceu relativamente até hoje foi o mercado de matérias-primas. Mas a supressão dos entraves ao comércio não quer dizer que tudo decorra sem complicações. Todos os dias são lançados novos produtos, para acompanhar o ritmo da inovação e a evolução das tendências – e aparecem incessantemente novas barreiras, sob a forma de autorizações e regulamentos técnicos ou administrativos nacionais, que complicam a vida dos fabricantes e privam os consumidores de uma escolha mais ampla.

Para poder utilizar plenamente o potencial do mercado único, seria necessário proceder a uma mais eficaz normalização, logística, transporte e proteção de direitos de propriedade intelectual. Só para dar um exemplo, cada Estado-Membro utiliza um sistema de sinalização diferente na sua rede de caminhos de ferro, o que torna difícil utilizar o mesmo material circulante em todos os países. Os documentos de transporte também não são os mesmos, nem a legislação de patentes.

Apenas 2,3% dos europeus vivem noutro país

A mobilidade de trabalhadores continua a ser uma ilusão. Todos os anos, 350 mil europeus casam com habitantes de outro Estado-membro, 180 mil estudantes vão viver para outro país graças ao programa Erasmus e muitos ficam por lá à procura de emprego; mas subsistem muitos obstáculos pelo caminho. O mercado único complicou-se não apenas devido às evidentes barreiras culturais e linguísticas, às dificuldades associadas à habitação e criação de uma família, mas também graças a todas as espécies de entraves jurídicos. A Europa permanece uma região de muito fraca mobilidade profissional. Apenas 2,3% dos europeus vivem num país diferente daquele onde nasceram. Para que a situação se altere realmente, seria necessário harmonizar os sistemas de proteção social e os direitos dos trabalhadores, poder transferir os direitos de reforma e reconhecer integralmente as qualificações profissionais.

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A assistência na doença, obtenção de crédito noutro Estado-membro ou o pesadelo burocrático e o imbróglio jurídico para utilizar o seu veículo noutro país da UE são apenas exemplos muito simples dos desentendimentos e deficiências do sistema. A empresa europeia padrão é pequena: nove em cada dez têm menos de dez assalariados. Há vinte milhões de empresas destas na UE, e são elas que formam o esqueleto da economia europeia. Um mercado realmente único representaria para elas uma importante fonte de desenvolvimento potencial, mas a UE não se apresenta hoje como um lugar acolhedor para as PME. Apenas 8% têm uma atividade comercial de âmbito internacional e só 5% têm sucursais no estrangeiro.

Os partidários da integração nadam contra a corrente

A revolução tecnológica criou setores que não existiam quando a ideia de mercado único nasceu, como o comércio eletrónico ou as atividades verdes. Mas também aqui, faltam na UE regulamentos adequados. A Europa tem uma moeda única, mas os pagamentos por Internet e o mercado da faturação eletrónica continuam fragmentados pelas fronteiras nacionais. O mercado único nunca será bem sucedido enquanto as vantagens que oferece não forem reconhecidas pelos milhões de cidadãos de toda a Europa. E estes sentem-se frustrados, porque dão essas vantagens por adquiridas e esbarram nos defeitos. O resultado é que a Europa é hoje, e continuará a ser no futuro próximo, menos propensa à integração do que nos seus primeiros anos.

A crise financeira abalou a fé na capacidade de autocorreção do mercado. Muitos consideram isso hoje imoral, criador de desigualdades inadmissíveis e ineficaz. O "mercado único" deve, por conseguinte, responder melhor aos receios e às objeções geradas pela crise. Os defensores da integração têm de se mostrar mais convincentes. Mas, hoje, nadam contra a corrente: os cidadãos têm a sensação de que as reformas económicas aprovadas pelos seus governos são uma consequência da construção do mercado único. No entanto, perante o crescimento das novas potências emergentes, uma integração mais vincada seria a melhor maneira de reagir à globalização e de defender os interesses económicos da Europa. Bastante melhor do que centrar-se em instrumentos nacionais.

Dadas as grandes diferenças existentes entre as estratégias dos Estados-membros e o poder dos grupos eurocéticos, vai ser necessário chegar a compromissos. A crer no antigo comissário europeu Mario Monti, que entregou ao presidente da Comissão, José Manuel Durão Barroso, um relatório intitulado Uma nova estratégia para o mercado único, os novos Estados-membros podem desempenhar um papel crucial na procura desses compromissos e na sua aplicação. Na verdade, têm mais a ganhar se a integração prosseguir paulatinamente e mais a perder se ela abrandar ou mesmo recuar.

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