2012, a revolução holandesa

É terno, consensual e pragmático. E, no entanto, se for eleito Presidente de França, o candidato socialista pode mudar o curso da política na Europa, garante um editorialista espanhol.

Publicado em 24 Abril 2012 às 15:26

Ainda não há muito tempo, se alguém dissesse que uma personagem como François Hollande podia encarnar a esperança de milhões de europeus num começo de rebelião contra o asfixiante estado das coisas, seria tido como louco.

Nada na sua figura de probo funcionário público ou comerciante, no seu caráter pragmático e consensual ou na sua visão política de tíbio centro-esquerda, faz de Hollande um génio da panache [galhardia] Cyrano de Bergerac, um gigante histórico como De Gaulle ou um artista florentino da política como Mitterrand. E, no entanto, sinal destes tristes e medíocres tempos, Hollande é agora olhado em todo o Velho Continente como o único Astérix possível que, a partir da desde sempre indómita aldeia gaulesa, se levanta contra o império germânico da austeridade e dos cortes, e propõe a estimulação do crescimento e do emprego como primeiro objetivo económico coletivo.

Um sentido comum revolucionário

Na memória recente, nenhuma outra eleição presidencial francesa teve uma dimensão tão continental como a presente. Berlim, Frankfurt, Bruxelas, Paris, Londres, Roma, Madrid, todas as outras capitais europeias, e também os chamados “mercados” e muitos cidadãos anónimos, sabem que o que está em jogo nestes comícios é se o duo Merkozy continua a mandar, com o seu dogma de equilíbrio orçamental a todo o custo, ou se se produz a primeira tentativa séria de introduzir num lugar mais privilegiado da agenda europeia o objetivo da expansão ou reativação económica geradora de postos de trabalho. Algo de crucial para os países intervencionados, tutelados ou sob suspeita – Grécia, Portugal, Espanha, Itália, a própria França – e também para a própria Alemanha.

Como disse Thomas Paine, pai intelectual da independência dos Estados Unidos da América, há momentos em que o sentido comum se converte em revolucionário. É o que está a acontecer com o moderado Hollande. Não apresenta propostas por esquerdismo ideológico, chauvinismo gaulês, vontade de quebrar o eixo Paris-Berlim ou antieuropeísmo. Fá-lo para tentar deter aquilo a que Paul Krugman chama “o suicídio económico europeu”, coisa que acaba de ser explicada pelo FMI.

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Hollande faz parte daqueles que pensam que houve um grave erro de diagnóstico e, consequentemente, de tratamento. O doente europeu tem um tumor grave (crescimento e emprego), mas a equipa médica de que Merkel é a chefe mais visível está a tratar unicamente de outro dos seus problemas: o orçamento (défice e dívida). E, claro, a redução dramática da dieta do doente agravou o nunca abordado mal primário. Para isto, contribuíram interesses pecuniários (os chamados mercados), o fundamentalismo ideológico neoliberal (quanto menos Estado, melhor) e as obsessões contabilísticas alemãs (inflação mínima e défice zero).

Voltar a fazer história

Hollande rompeu o dogma. Há uns lustros, as suas ideias teriam sido consideradas tímidas, mas hoje, parecem insurrecionais. Na Europa, defenderá duas ideias que farão comichão a Merkel: a taxa sobre as transações financeiras e a criação de euro-obrigações.

Hollande, como escreveu Miguel Mora em El País, converteu-se “na grande esperança de muitos europeus para mudar a história”. A sua rebelião contra a Berlim de Merkel pode encontrar aliados mais ou menos explícitos. Para Espanha seria bom, para já não falar da Grécia e de Portugal. A sua insurreição também pode chegar à Alemanha, onde o SPD pede uma mudança de rumo europeu na direção do crescimento e do emprego. E, atenção, é possível que os sociais-democratas ganhem as eleições alemãs de 2013 ou consigam um resultado tão alto que Merkel se veja obrigada a pedir-lhes apoio para um governo de coligação.

Quem sabe? Por enquanto, têm a palavra os eleitores franceses. Paradoxalmente, se escolherem o homem menos carismático que se possa imaginar, Hollande, a sua decisão poderá ter um profundo alcance europeu. Poderão voltar a fazer história.

Contraponto

O remédio francês de sempre

“Ao contrário de outros países mediterrânicos, a França continua a agarrar-se à ideia de que a atual crise europeia resulta da globalização, do mercado livre e do capitalismo anglo-saxónico”, escreve o Rzeczpospolita. Apesar das diferenças entre os candidatos à presidência da França, ambos acreditam que “aumentar impostos, vender mais títulos de dívida pública e combater o canalizador polaco (ou o pedinte romeno ou o desempregado tunisino) é a melhor forma de combater a crise”.

Na opinião do jornal diário conservador polaco, isto poderá ser o prenúncio de problemas para a Europa, especialmente se François Hollande ganhar as eleições, uma vez que tem uma visão da Europa totalmente diferente da de Angela Merkel e tenciona estimular a economia com o aumento de impostos e mais despesa pública. O Rzeczpospolita realça que a sua vitória poderia também "aguçar o apetite da esquerda europeia” e anunciar uma “mudança política radical [para a esquerda] na Europa”, tendo em vista as próximas eleições na Grécia e, mais tarde, na Holanda e na Alemanha, em 2013.

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