David Cameron e Nicolas Sarkozy durante uma parada em Londres, em junho de 2011.

Sarkozy and Cameron, uma fraca coligação

Os Estados Unidos estão relutantes em dirigir a operação Odisseia ao Amanhecer. Mas à Europa fracionada faltam recursos, além de que enfrenta complicações, com a Alemanha e o aliado da NATO, a Turquia, a fazerem de lastro.

Publicado em 23 Março 2011 às 15:24
David Cameron e Nicolas Sarkozy durante uma parada em Londres, em junho de 2011.

Esqueça-se a Operação Odisseia ao Amanhecer, nome semialeatório gerado pelo sistema informático do Pentágono para designar a contribuição norte-americana para a campanha militar na Líbia. Operação Ellamy, nome de código da participação britânica, também não é relevante. A campanha líbia devia chamar-se realmente A Guerra que Ninguém Quer Dirigir.

Estamos em guerra apenas há quatro dias, mas já são patentes sérias divisões dentro da liderança da aliança, sobre como desenvolver a campanha. É fácil de compreender a relutância de Barack Obama em assumir um papel de destaque num conflito que foi o primeiro a não querer. Esta era uma guerra que os Estados Unidos não queriam.

A Grã-Bretanha e a França é que fizeram todo o trabalho de bastidores para conseguir apoio internacional à criação de uma zona de exclusão aérea. Assim, se Londres e Paris estão tão desejosos de confrontar Kadhafi, porque não assumem o comando da campanha? Afinal, ainda no fim do ano passado os governos britânico e francês assinaram um novo pacto de cooperação de defesa, em que concordaram cooperar mais intimamente em questões militares. Os franceses até aceitaram permitir aos britânicos o uso de um dos seus porta-aviões – no pressuposto, evidentemente, de que teríamos aviões para descolarem de lá.

Norte-americanos assumem papel de leão no combate

O primeiro problema com que a Europa se depara, sempre que se trata de conduzir operações independentes, é a evidente falta de capacidade militar. Quando as Nações Unidas impuseram uma zona de exclusão aérea contra o Iraque, no início dos anos 1990, a RAF voou uma média de uma missão de combate em cada cinco empreendidas pela força aérea dos EUA. Os franceses não participaram de todo, porque os seus jatos Mirage tinham o mesmo perfil no radar que os aviões vendidos pelos franceses a Saddam Hussein, e estavam consequentemente sujeitos a ser abatidos pelos norte-americanos.

Newsletter em português

Duas décadas depois, os norte-americanos estão uma vez mais a fazer a parte de leão das operações de combate. Das cerca de 100 missões lançadas desde que a ONU autorizou a intervenção militar, no final da semana passada, pelo menos metade foi empreendida pelos Estados Unidos. As restantes foram divididas entre ingleses e franceses. Até agora, todas as operações de combate ocorreram sob comando norte-americano, com o general Carter Ham a assumir diretamente o esforço da aliança.

Mas ao contrário das recentes campanhas de coligação no Kosovo, Iraque e Afeganistão, na Líbia Obama e os seus generais desejam uma oportunidade de passar a responsabilidade da missão para outra entidade. Como dizia ontem um oficial superior dos EUA: "Os europeus quiseram a zona exclusão aérea; portanto, eles que comandem a zona de exclusão aérea”.

O único problema com essa solução tão elementar é que, como acontece frequentemente quando se trata de questões graves de segurança, "os europeus" só conseguem chegar a acordo sobre como a estrutura de comando deveria funcionar.

Alemães atuaram como "âncora de arrasto" na negociação

Para começar, nem todos os dirigentes europeus apoiam a criação de uma zona de exclusão aérea. A intervenção militar era uma ideia gerada por David Cameron e Nicolas Sarkozy, e não uma iniciativa ousada da UE. A ineficaz baronesa Ashton, a guru dos Negócios Estrangeiros da UE, manifestou a sua ingenuidade diplomática ao colocar-se ao lado dos alemães na oposição a uma zona de exclusão aérea.

Surgiram mesmo tensões entre Londres e Paris, após o francês, com a intrepidez que lhe é característica, lançar os primeiros ataques aéreos contra as forças de Kadhafi, na tarde de sábado, sem se preocupar sequer em informar os aliados da NATO. Mas a verdade é que os franceses sempre tiveram dificuldade em acatar ordens dos generais norte-americanos, independentemente do que Sarkozy diga sobre a França ter superado a ambivalência histórica em relação às estruturas de comando da NATO.

Dito isto, a unilateralidade francesa é a menor das nossas preocupações. Quando o general Carter deixou claro que quer entregar o controlo da missão líbia a uma estrutura de comando da NATO, nos próximos dias, os alemães atuaram, como disse um diplomata, como uma "âncora de arrasto” em toda a negociação.

Sabemos da amarga experiência no Afeganistão os danos que resultam quando países insistem em impor individualmente reservas sobre o que as suas forças podem ou não fazer em operações militares. Em Cabul, por exemplo, estima-se que apenas 10% das tropas alemãs enviadas para o Afeganistão alguma vez saíram das suas casernas, tal a preocupação de Berlim com os riscos para as suas vidas, se entrarem em contacto com os talibãs.

Desta vez, os alemães não podem impor tais restrições, porque não fazem tenção de colocar os seus esquadrões de Eurofighters ao lado dos Typhoons da RAF (eles próprios também Eurofighters) em missões de bombardeio contra as forças de Kadhafi. Mas, em conjunto com os turcos, têm influência para insistir numa estrutura e em regras de comando para os aviões da NATO que tornam impossível à aliança alcançar o objetivo da sua missão. Se isso acontecer, a capacidade da Europa para conduzir uma guerra de sua iniciativa ficará seriamente comprometida.

Visto da Alemanha

Paris, Berlim, Ancara, o trio infernal

"A coligação internacional contra Muammar Kadhafi tem dois grandes pontos fracos", lamenta o Süddeutsche Zeitung. "Não sabe o que quer alcançar na Líbia. Pior ainda: não sabe quem conduz as operações. […] Na ausência da liderança americana, são o egoísmo, a vaidade e as hesitações que dominam a política." Primeiro acusado, a França. Nicolas Sarkozy, sem o qual não teria havido nem votação nem a rápida aplicação da Resolução da ONU, "quer a todo o custo excluir a NATO, cuja reputação poderia irritar os parceiros árabes da aliança conta Kadhafi". A verdade é que ninguém tentou comprovar esta suposição. "A Turquia desempenha um papel idêntico, mas no extremo oposto", acrescenta o Süddeutsche Zeitung. O primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, quer ser o aliado dos autocratas e, ao mesmo tempo, ser "o modelo democrático das massas em revolta. Segue uma via estritamente antieuropeia e serve-se do papão [em alemão: Feindbild!] Nicolas Sarkozy para exacerbar a cólera contra a Europa". Por seu turno, a Alemanha "não age e coloca-se numa posição de isolamento que nem mesmo os seus amigos conseguem explicar". Em suma, conclui este diário, "a aliança pratica a autodestruição. São três os centros de comando responsáveis pela intervenção na Líbia, a operação tem três nomes diferentes, a Noruega e a Itália ameaçam retirar-se, se esta confusão não acabar rapidamente. O sistema de alianças de Bismarck era uma brincadeira de crianças, em comparação com o caos na Europa".

Tags

É uma organização jornalística, uma empresa, uma associação ou uma fundação? Consulte os nossos serviços editoriais e de tradução por medida.

Apoie o jornalismo europeu independente.

A democracia europeia precisa de meios de comunicação social independentes. O Voxeurop precisa de si. Junte-se à nossa comunidade!