À espera do tsunami grego. Ao final do dia, na velha Lisboa.

À espera da tempestade

Para evitar sofrer o mesmo destino da Grécia, Portugal, cuja situação não é assim tão diferente, aprovou um plano de austeridade e de crescimento com o fim de relançar a economia. E os portugueses parecem resignados a um período de vacas magras.

Publicado em 4 Maio 2010 às 16:30
À espera do tsunami grego. Ao final do dia, na velha Lisboa.

A crise grega chegou ao Tejo e Portugal, um país com uma certa tendência para a melancolia e para o distanciamento, viu-se mergulhado na tempestade europeia. As coordenadas portuguesas situam-se, sem dúvida, longe das ilhas gregas. Enquanto, em Atenas, o défice ascendia a 12,7%, em 2009, e a dívida pública atingia os 124% do PIB, este ano, no Palácio de Belém, sede da presidência de Portugal, apresentam-se números mais moderados: 9,4%, para o défice, e 85%, para a dívida. Isso não impediu que as obrigações portuguesas a 10 anos tenham chegado, esta semana, aos 6%, com “spreads” em alta sobre a dívida alemã.

Perante o ataque dos mercados, o Governo socialista de José Sócrates apresentou em Bruxelas um Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC), cujo objectivo é reduzir o défice público para 2,8%, em 2013. O anúncio de medidas de austeridade provocou greves dos transportes e dos funcionários dos Correios mas o sangue não chegou ao rio. Apesar do mal-estar causado pelo aumento do desemprego para mais de 10,2%, uma coisa que não acontecia há 40 anos, a resposta nas ruas está a ser moderada.

Então, qual é o problema de Portugal? "A reduzida produtividade, que se traduz num crescimento muito baixo", respondem analistas e empresários. De facto, o crescimento da economia portuguesa tem sido praticamente nulo nos últimos anos e qualificou-se como o mais baixo da zona, desde que aderiu ao euro. "Há um sério problema de procura interna", dizem os economistas portugueses.

No mercado interno, a presença de uma pesada burocracia, que em grande parte marca o ritmo do país, travou os impulsos inovadores, apesar de o país contar com uma forte indústria de energias renováveis. Além disso, Portugal foi bastante prejudicado com o alargamento da União Europeia a Leste e com a entrada em cena de países como a China, porque os salários baixos destes novos intervenientes afectaram as suas exportações.

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"Os fundos estruturais disponibilizados pela União Europeia foram utilizados para melhorar as infra-estruturas e não para reforçar a indústria", acrescentam. A soma destes factores teve consequências negativas. Ao fim de muitos anos de uma economia assente nos baixos custos da mão-de-obra, o aumento dos salários acima da produtividade levou a que os custos laborais unitários portugueses fossem superiores aos alemães. Foi sobre esse universo estático que se abateu o tsunami da elevada liquidez na zona euro, resultante dos tipos de juros baixos oferecidos pelo Banco Central Europeu (BCE).

Resultado? Um país com trabalhadores que estavam a perder competitividade, protegidos por normas laborais muito rígidas, decidiu endividar-se até às orelhas, devido às facilidades de crédito. Assim, a dívida das famílias atingiu os 100% do PIB e a das empresas os 140%. Somando-as ao endividamento público, a dívida portuguesa ultrapassa os 300% do PIB. Com uma agravante: uma vez que esse endividamento não se baseava no crescimento interno, o endividamento verificou-se fundamentalmente perante o exterior.

E assim, imperceptivelmente, Portugal aumentou a sua vulnerabilidade face aos mercados financeiros internacionais. Estes interrogam-se sobre como pode um país com baixo crescimento e pouca competitividade devolver tanto dinheiro. Peritos como Kenneth Rogoff, antigo economista principal do FMI, chamam a atenção para a fragilidade que apresenta um país que se movimenta dentro desses parâmetros e para o facto de esta o deixar exposto à crise grega.

O Governo propôs um plano de estabilidade mas fundamentalmente de crescimento, com o qual pretende superar as deficiências do país. Esse plano inclui projectos de infra-estruturas como barragens, sistemas de energia eléctrica e um comboio de alta velocidade até Madrid. Ou seja, para o Governo tratar-se-ia de sair da crise por cima, com uma economia mais moderna e estável, a partir do investimento público. Este plano pressupõe o fim de muitas ilusões e a aceitação de duras realidades. Austeridade sem paliativos, abandono das políticas de intervenção pública, aposta nas exportações, estímulo à poupança interna.

Um programa de determinação e de aceitação de que se pode descer mais um degrau. Curiosamente, em Lisboa, este tipo de propostas não provoca grandes traumas, depois de uma década de crescimento quase nulo. De facto, a crise financeira de 2008 ocorreu numa fase em que já predominava um certo desânimo. "Aqui é, simplesmente, mais do mesmo", diz-se na "city" lisboeta. Na terra do fado, há reservas infinitas de paciência.

Opinião dos especialistas

Como salvar Portugal?

Como pode Portugal evitar tornar-se a próxima Grécia? O semanário Expresso, de Lisboa, foi saber a opinião de vários especialistas internacionais. Ricardo Reis, da Universidade de Columbia, Nova Iorque, recomenda que o Governo "controle a despesa pública". O Executivo deve ainda anunciar "um plano de redução do défice, com um calendário de pagamentos da dívida pública", acrescenta Peter Cohan, consultor financeiro de Boston. Contudo, Gary Dymski, especialista em crises na Universidade da Califórnia, defende que o Governo português “deve centrar-se em três questões: trabalhar com outros países ameaçados para encontrar ideias e objectivos comuns; trabalhar no seio da zona euro em nome dos países ameaçados, e mobilizar a população para lutar por um padrão de vida mais elevado e manter a rede de protecção social.

Num sentido idêntico, David Caploe, da Singapore Economy Watch, sugere que o Governo português “exija, publicamente, que as agências de notação de risco [como a S&P] que tornem transparentes os critérios que usam, especialmente quando comparados com outros países mais avançados, cujo perfil estatístico é semelhante a Portugal, mas cujos ‘ratings’ eles não desceram”.

O economista principal do Barclays Capital, Julian Callow, recomenda que Portugal acelere a consolidação das contas públicas e sugere que um "aumento de 2% do IVA poderá ser uma boa ideia, tal como um corte de 3% nos salários do Estado". Embora a situação de Portugal seja diferente da da Grécia, os investidores internacionais mostram-se cépticos relativamente à capacidade do país para pagar a dívida pública, tendo em conta o baixo crescimento nacional previsto para os próximos anos, acrescenta o mesmo semanário. A única coisa certa é que Portugal está a ser arrastado pela tempestade da crise financeira europeia e que não lhe será fácil sair são e salvo dessa situação.

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