Criança palestiniana numa escola bombardeada por rockets israelitas, perto de Netzarim, na Faixa de Gaza. (AFP)

A Europa deve repensar a ajuda à Palestina

Na sequência da visita de Catherine Ashton a Israel e à Palestina, os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE reúnem-se em Bruxelas, a 22 de Março, na tentativa de definir a política da União para o Médio Oriente. Segundo o Financial Times, devia começar por reavaliar a questão da ajuda aos territórios palestinianos.

Publicado em 22 Março 2010 às 13:46
Criança palestiniana numa escola bombardeada por rockets israelitas, perto de Netzarim, na Faixa de Gaza. (AFP)

A baronesa Ashton, chefe da diplomacia da União Europeia (UE), fez pouco alarde da sua visita desta semana a Israel e à Faixa de Gaza. Deve aproveitar a oportunidade para reequilibrar a deficiente abordagem da UE em relação ao processo de paz do Médio Oriente. Se não o fizer, a sua visita terá sido realmente desperdiçada. O debate tem-se centrado sobretudo na falta de influência da UE sobre Israel. No ano passado, a UE congelou as conversações para um acordo visando uma maior associação com Israel e deslocou a sua intervenção para questões como o estatuto de Jerusalém, num sentido pró-palestiniano.Mas a recusa israelita de parar a construção de colonatos revela que esta atitude teve pouco impacto.

A garantia dada por Miguel Ángel Moratinos, ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, de que a presidência espanhola da UE irá proceder a uma orientação diplomática do processo de paz, tendente a um acordo final definitivo, parece pouco menos do que uma fanfarronada. Onde a influência europeia se faz sentir, realmente, é no apoio prestado à construção do edifício institucional palestiniano. A UE é, há muito tempo, o maior financiador benévolo dos territórios ocupados, vertendo milhares de milhões de euros na ajuda à construção das instituições do proto-Estado da Palestina. Infelizmente, a maneira como esses fundos têm sido fornecidos apenas aprofundou a debilitante falta de unidade palestiniana.

Auxílio aumentou após vitória do Hamas

Desde que o Governo do Hamas foi eleito, há quatro anos, o auxílio europeu aos territórios ocupados aumentou de forma dramática. O financiamento europeu quase duplicou, paradoxalmente, nos 12 meses que se seguiram à eleição do Hamas. Como a UE se recusa a lidar com aquele partido político, confina-se agora a Gaza e esse financiamento está a ser canalizado para as instituições sob tutela da Fatah, na Cisjordânia. Esse apoio foi desviado de reformas de longo prazo na administração para auxílios de emergência, de curto prazo. A sua aplicação tornou-se pouco clara, apesar dos pedidos europeus para prestação de contas dos palestinianos. Melhores padrões de governação deveriam ter moderado a polarização entre Fatah e Hamas. Este chegou ao poder devido ao descontentamento popular com a corrupção da Fatah. E no entanto, a UE alimentou ainda mais o nepotismo e o centralismo do controlo político.

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A missão da UE de apoio à força policial da Cisjordânia reforçou os corpos de segurança da Fatah contra as forças sob o controlo do Hamas. Essa missão inclui formalmente direitos humanos e provimento de regras legais, mas, na prática, é visto a equipar as forças da Fatah na sua batalha pela supremacia em relação ao Hamas. Tais tentativas sub-reptícias para derrotar o Hamas sob a capa de uma reforma administrativa só servem para agudizar as divisões existentes entre os palestinianos. Os custos da abordagem unilateral da UE são agora patentes. Falava de reforma política, mas concebia-a como uma questão de apoio a um líder ostensivamente moderado – o Presidente Mahmud Abbas. A esperança foi investida num dirigente que ameaça agora não se candidatar à reeleição. A UE apoiou realmente a determinação de Abbas em atrasar as eleições do ano passado. E não traçou uma rota clara para um governo palestiniano de unidade. Mesmo entre os Estados da UE, os países estão divididos quanto às condições exigíveis aos membros do Hamas num tal Governo.

Beco sem saída

Em privado, os diplomatas europeus admitem que se enfiaram num beco sem saída, após as eleições de 2006, ao limitarem-se a conferenciar apenas com uma parte do espectro político palestiniano. O início de uma nova fase do ciclo eleitoral representa uma oportunidade para que a UE saia desse impasse. A senhora Ashton pode deixar uma primeira marca neste domínio: nos últimos anos, tem havido uma falha grave, com a escassez de apoio diplomático aos programas de auxílio da UE implantados no terreno, testemunhando-se o definhar da missão de monitorização da fronteira, agora a léguas da intersecção de Rafah.

Um Governo de unidade não constituiria em si uma solução para as preocupações palestinianas. O que é necessário não é um conjunto obscuro de negociações de bastidores entre líderes da Fatah e do Hamas, mas uma mais vibrante política de abertura. Os financiadores europeus deviam retirar a ajuda das mãos das elites irresponsáveis que governam a capoeira tanto do lado da Fatah como do Hamas. O que é necessário é colaborar para a afirmação da capacidade democrática da sociedade palestiniana, de baixo para cima, distribuindo apoios às organizações de base. Só assim é possível dar aos cidadãos um sentido de posse e incentivo para superarem o partidarismo, como uma primeira etapa necessária para as negociações com Israel.

Opinião

Os 27 continuam divididos

Com a visita que fez, esta semana, a Israel, à Cisjordânia e a Gaza, a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, “deu um sinal sem ambiguidades: a UE condena o bloqueio draconiano, em Gaza, de um milhão e meio de palestinianos”, e “fez saber que a UE tenciona fazer mais do que simples pressão sobre Israel” no que diz respeito aos colonatos, constatam cinco representantes de ONG nas páginas do diário De Morgen. “Mas será mesmo verdade?”, interrogam-se os autores do texto. “A União Europeia está muito dividida quanto a Israel.” Os autores lembram que “o Conselho de Ministros europeus decidiu congelar, provisoriamente, a intensificação das relações bilaterais com Israel, decisão esta lamentada por países como a Alemanha, a Holanda, a República Checa e a Espanha”. E acrescentam que “uma melhor cooperação teria, naturalmente, uma influência positiva sobre o comportamento de Israel. Uma última tentativa espanhola para intensificar as relações bilaterais foi categoricamente recusada pela Irlanda e pela Suécia, que afirma, como Malta e a Eslovénia, que Israel tem, primeiro, de respeitar o direito internacional”. Esta divisão na UE explica-se pelo “medo dos Estados-membros de perderem a sua influência no processo de paz” e pelos “interesses económicos e políticos”, garantem os signatários do artigo, que lamentam que “uma coisa sejam as palavras de condenação e outra, muito diferente, a política realmente seguida”.

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