Venda de flores no mercado central de Riga. Foto de Desmond Kavanagh.

A Letónia com a corda na garganta

A Letónia registou em tempos o maior crescimento da UE. Mas agora está a passar por um mau bocado: acaba de reduzir as despesas do Estado e de baixar os salários. E, ao que tudo indica, é provável que venha a desvalorizar a moeda.

Publicado em 29 Junho 2009 às 16:55
Venda de flores no mercado central de Riga. Foto de Desmond Kavanagh.

"Não tivemos vontade política, nem visão económica ou empresarial, o governo foi uma desgraça. Hoje, deparamo-nos com esta questão: a Letónia sobreviverá?". Eis uma série de afirmações contundentes – quanto mais não fosse por serem proferidas por Valdis Zatlers, o Presidente letão, perante o Parlamento, em Riga.

Os deputados acabavam de votar medidas económicas draconianas: o salário dos funcionários públicos reduzido em 20%, as pensões de reforma em 10%. As únicas soluções possíveis para que a Letónia receba mais um auxílio financeiro do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da UE – uma ajuda sem a qual o Estado entraria em falência a partir do mês de Julho.

Como foi possível chegar a esta situação? Como pode uma economia, que durante anos apresentou o maior crescimento da UE, ver-se de repente à beira do abismo?

Encurtando razões: dívidas. Em nenhum outro lugar da União Europeia o crédito foi tão generosamente distribuído, provocando semelhante sobreaquecimento da economia. Consequentemente, hoje o Estado está com a corda na garganta.

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A forte expansão económica da Letónia repousava quase exclusivamente sobre o crédito, e foi apanhada em cheio pela crise internacional. Em Dezembro de 2008, o FMI e a UE já tinham tido de injectar 7,5 mil milhões de euros na economia no país, que já não conseguia contrair mais empréstimos no mercado internacional.

Quem pode melhorar a situação? Certamente não serão os consumidores ou as empresas, ambos sobre-endividados. O Estado também não, porque tem de fazer economias rigorosas durante dois anos, para preencher os critérios do FMI. Não surpreende, pois, que, no estrangeiro – e em especial na Suécia, que mantém estreitas relações com a Letónia –, se encare uma solução que parece inconcebível aos próprios letões: a desvalorização do lat, que acompanha o câmbio do euro com oscilações de mais ou menos 1%. Uma desvalorização tornaria os produtos letões menos caros no estrangeiro e tornaria o sector da exportação mais competitivo. Mas seria, para muitos letões, a penalização máxima, porque foi a força do lat que lhes permitiu reencontrar a estabilidade após a inflação do início dos anos 90.

E não é a única razão por que se contesta uma desvalorização. Por um lado, o Banco Central Europeu exclui que se possa introduzir o euro com alguma rapidez na Letónia após uma desvalorização. Por outro, quem garante que a desvalorização correrá bem e que não acabará por provocar um desmoronamento total da moeda, como na Argentina? Não se pode excluir que provoque uma corrida às instituições de crédito, já que inúmeros letões podem trocar os seus lats em moeda estrangeira num clique de rato. Acresce ainda o risco de outras moedas da Europa de Leste ligadas ao euro estarem também sob pressão – casos da Estónia e da Lituânia, seguidas da Bulgária.

A Letónia esforça-se actualmente por recuperar a sua competitividade, reduzindo os salários. Este tipo de intervenção seria impossível na Alemanha, devido à força dos sindicatos; mas, na Letónia, as organizações de trabalhadores não têm praticamente nenhum papel.

Resta saber se estas descidas de salários vão ser suficientes e se produzirão efeito com a necessária rapidez. Por um lado, a Letónia tornou-se, devido à crise, um país onde a mão-de-obra é abundante e barata. Por outro, os investidores locais e estrangeiros mantêm-se na retranca.

Para vencer estas incertezas, é necessário que o país recupere credibilidade. Para isso, é indispensável respeitar as exigências do FMI e, por conseguinte, fazer as economias exigidas. Se conseguir, a Letónia terá merecido entrar no clube dos Estados do euro.

A luta vai ser dura. Comparada com ela, Sísifo teria pensado que a sua tarefa era fácil.

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