Dos dez candidatos, apenas dois vão estar na segunda volta, a 6 de maio.

A raiva do povo

Há cinco anos, Nicolas Sarkozy era o candidato da "França que se levanta cedo". Hoje, é o “Presidente dos ricos”. Esta evolução resulta da política que praticou e demonstra quanto o país mudou com a crise.

Publicado em 20 Abril 2012 às 14:36
Dos dez candidatos, apenas dois vão estar na segunda volta, a 6 de maio.

"Há cinco anos votei por Nicolas Sarkozy, mas hoje sinto-me irritado, afirma Michel Sieurin baixando a voz e largando o martelo. Gostava muito do mote ‘trabalhar muito para ganhar muito’, mas Sarkozy nada fez pelo povo. É o Presidente dos ricos.”

Sieurin é sapateiro há vinte anos, em Montivilliers, uma pequena cidade situada junto ao Havre [na Normandia]. "O antiSarkozismo é um fenómeno da elite parisiense", dizia recentemente a mulher do Presidente, Carla Bruni Sarkozy. O mesmo afirma a imprensa próxima do poder: apesar de os círculos literários, os jornalistas e os intelectuais serem hostis a Nicolas Sarkozy, a "maioria silenciosa" dos franceses não tem a mesma opinião.

O próprio Sarkozy repete-o durante as suas deslocações longe da capital, onde – que surpresa! - encontra uma multidão de apoiantes. Talvez devesse falar com alguém como o sapateiro de Montivilliers.

Agora com 56 anos, Sieurin foi metalúrgico quando era jovem. Membro da CGT [sindicato próximo do Partido Comunista], "acreditei no milagre quando a esquerda chegou ao poder com Mitterrand, em 1981”. Mas a esquerda passou e o capitalismo ficou. O sapateiro viu desaparecer muitas coisas: os seus sonhos de uma sociedade mais solidária, o seu trabalho de bate-chapas, assim como o de milhares de trabalhadores na região.

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O mapa da França está a mudar

Nos dias 22 de abril e 6 de maio, os franceses vão eleger um novo Presidente da República. Michel Sieurin optará, talvez, por votar em branco. Na sua opinião, François Hollande "é apenas um liberal como os outros", ou seja, partidário de uma doutrina económica que o país detesta. O radical Jean-Luc Mélenchon é demasiadamente agressivo, na opinião do sapateiro de Montivilliers, e o voto na Frente Nacional de Marine Le Pen está, por princípio, fora de questão. "Não é este o caso de alguns dos seus amigos”, explica. “Querem mostrar que estão irritados, mas não são fascistas.”

Montivilliers é uma pequena cidade como tantas outras. Paris, está apenas a duas horas e meia de distância por estrada mas, no plano cultural, aqui vive-se a anos-luz da capital. Paris é o centro nevrálgico de todos os debates públicos, mas a França provinciana não vive ao mesmo ritmo. Aqui, as opiniões formam-se com calma, no seio familiar, na intimidade. É desta França que o resultado das eleições depende.

O mapa da França está a mudar. Os salários baixos e dos desempregados de longa data instalam-se, cada vez mais, nas cidades pequenas e no campo. Geralmente, as grandes cidades só têm para oferecer a escolha entre os alojamentos demasiado caros ou os guetos mal-afamados.

“Aqui, a vida é tranquila”, respondem os habitantes de Montivilliers quando lhes perguntamos quais as vantagens de viver na sua cidade.

A praça central está rodeada de velhas casas em madeira, algumas em ruínas. Há muito tempo que deixou de receber o mercado. A abadia quase milenar está em bastante melhor estado pois é o Estado quem paga. A sua atividade terminou durante a Revolução Francesa, quando as freiras se recusaram a jurar fidelidade à República. O edifício abriga uma churrasqueira desde 1973. Esta churrasqueira – abadia, pelo menos, serve de local de convívio.

Sarkozy é o Presidente dos ricos

É lá que se encontram os operários como Claude Far e Salim Khaoua, de 28 e 30 anos respetivamente. Estes dois homens de origem argelina e marroquina tornaram-se “inseparáveis”. Admiram os alemães devido à sua chanceler e aos automóveis e pensam que a França está em declínio.

Neste ponto, concordam com a opinião predominante. São invadidos por livros e artigos lamentando a decadência da França e a erosão do "modelo social francês" que dava corpo à palavra "igualdade". "Quase todos os nossos amigos estão desempregados, explica Salim. Não têm meios para ir ao restaurante como nós.”

Claude e Salim estão quase sempre deslocados. Qual o seu trabalho? Controlar a segurança dos reatores nucleares do país. Recebem o seu salário, ou subsídios temporários quando atingem o limite de exposição à radioatividade e são obrigados a fazer uma pausa.

Ambos pertencem a esta “França que se levanta cedo”, que Sarkozy gosta tanto de elogiar. “Tinha prometido melhores salários às pessoas como nós. Palavras ocas! É o Presidente dos ricos.” E Hollande? "Não, ele quer abandonar a energia nuclear.” Marine Le Pen? "Talvez. A França tem que se proteger da concorrência. Mas a ideia de voltar ao franco não interessa.”

Comentário

Um ar revolucionário

“O que a campanha revelou: o ódio dos ricos”, titula Le Point realçando que o fenómeno criado por vários candidatos às eleições presidenciais, incluindo o candidato da direita radical Jean-Luc Mélenchon, representa “o ódio dos ricos”.

O semanário observa que os mais ricos se tornaram os “bodes expiatórios dos candidatos”, nesta campanha “que se desenrola sob fundo de uma crise sem precedentes e um endividamento recorde”. A abolição dos privilégios, similar a 1789, ou a “caça aos ricos”, na medida em que não se pode “dar mais aos pobres”, as ideias apresentadas mostram que

todos tomaram conhecimento de uma reviravolta significativa: o limiar do aceitável em matéria de desigualdades de rendimentos, muito elevado nos anos 1990 e 2000, diminuiu brutalmente.

Tendo em conta que a campanha está prestes a terminar, surge uma questão por parte de Le Point: “Será que o voto assinalará o fim desta paixão tipicamente francesa?”.

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