Comboio de alta velocidade avança a passo de caracol

Uma ferrovia de alta velocidade que ligasse a Lituânia, a Letónia e a Estónia poderia revitalizar a economia da Europa de Leste, reforçando os seus laços à UE e reduzindo a sua dependência da Rússia. Em vez disso, o projeto Rail Baltica vai arrastando os pés, minado por divergências entre os três vizinhos.

Publicado em 21 Outubro 2013 às 11:35

O cordão humano de 600 quilómetros, que, em 1989, se estendeu de Vilnius a Riga e a Talinn, tornou-se o símbolo da luta dos Estados do Báltico para se libertarem da União Soviética. Mas, mais de duas décadas depois de terem recuperado a independência, as capitais desses três Estados não estão ligadas entre si por um serviço ferroviário direto de transporte de passageiros, e muito menos ao resto da União Europeia. Em termos de infraestruturas, os países bálticos ainda são "nações cativas": a via-férrea segue para Leste, para Moscovo e São Petersburgo; as redes de eletricidade estão sincronizadas com as da Rússia; e a dependência da Rússia no que se refere ao gás é fortíssima.
Por isso, a organização, na semana passada, pela Comissão Europeia, da primeira viagem de um comboio de passageiros entre os Estados do Báltico desde os anos 1990, foi um ato altamente simbólico. Cheio de eurocratas e pessoas ligadas ao setor dos transportes, o comboio deslocou-se, durante a maior parte da viagem de dois dias, entre florestas de bétulas e pinheiros e foi recebido com música e discursos em todas as paragens. Foi uma espécie de antevisão do projeto emblemático da UE: a Rail Baltica, uma linha ferroviária rápida moderna, que reduzirá a viagem para cerca de quatro horas.
Ao trocar a bitola da Rússia, de 1,520 mm, pela bitola da Europa continental, de 1,435 mm, a nova via-férrea proporcionará um sentimento de segurança, mais um passo de distanciação da Rússia e de aproximação à "Europa". O comissário europeu dos Transportes, Siim Kallas, que é estónio, sonha com um serviço de comboios rápidos de Talinn até Berlim. Este é o tipo de projeto em que a UE pode constituir um valor acrescentado, integrando os países mais pobres no coração industrial da Europa e construindo as ligações que faltam e que os governos nacionais não querem ou não podem financiar. Siim Kallas pretende concentrar a ação da UE em nove corredores pan-europeus, para criar uma rede integrada de vias-férreas, vias navegáveis e portos marítimos, que é maior do que a soma das suas partes. A Rail Baltica será uma secção de um corredor que vai da Finlândia aos portos holandeses e belgas.

Nem no nome há consenso

Embora esteja em fase de preparação desde 1994, a Rail Baltica é ainda incerta. Os grandes projetos de infraestruturas avançam quase sempre lentamente. A crise económica significa que o dinheiro escasseia, em especial nos países bálticos. E só a partir de 2014, ano em que o orçamento da UE para os transportes irá triplicar, a Comissão obterá o dinheiro para o projeto. Mas a principal razão do atraso reside nas quezílias constantes entre os três Estados do Báltico. Depois da independência, a unidade do cordão humano foi substituída pela rivalidade.
Esta revela-se não apenas no que se refere às vias-férreas: o projeto de uma central nuclear comum na Lituânia encontra-se num impasse. A ideia de criar uma rede integrada regional de gás, para reduzir a dependência da Rússia, perde terreno porque os três países estão a criar instalações separadas de gás natural liquefeito. O antigo batalhão misto do Báltico foi desmantelado e os Estados bálticos estão em disputa pelo acolhimento da missão de vigilância aérea regional da NATO. Quanto à Rail Baltica, até o nome é motivo de controvérsia: a Estónia chama-lhe Rail Baltic; diplomaticamente, a Comissão referiu-se ao seu comboio de demonstração como "RB Express".
A Finlândia e a Estónia, mais distantes do centro da Europa, são os países que mais entusiasmo mostram pelo projeto. Durante algum tempo, a Letónia levantou objeções, em parte porque as propostas iniciais pareciam contornar Riga e tinham falta de interligações a aeródromos e portos marítimos. Uma vez resolvidos esses problemas, é agora a Lituânia, que detém a presidência rotativa da UE, a ser acusada de causar atrasos. Os desacordos quanto ao âmbito do projeto mantêm-se. A Lituânia afirma que não tem dúvidas; já começou a remodelar parte da via de ligação à Polónia para esta receber comboios conformes com a norma europeia. Os críticos dizem que se trata apenas de uma via de bitola dupla sobre a linha existente; a Rail Baltica precisa de uma linha própria para melhorar a velocidade.

O dedo de Moscovo

O mais estranho de tudo isto é que a Rail Baltica é praticamente um cavalo dado. A UE propõe-se pagar até 85% do custo estimado de 3700 milhões de euros e irá sem dúvida disponibilizar empréstimos bonificados para o resto. "Há uma velha piada russa que diz que o bom senso acaba onde começa o caminho de ferro", comenta um eurocrata desesperado. O problema de fundo, afirmam muitos, é que os operadores que detêm o monopólio do transporte ferroviário estão intimamente ligados aos operadores russos e obtêm os seus lucros com o transporte de mercadorias entre os portos bálticos e a Rússia, a Ásia Central e a China. Seria melhor remodelar a linha este-oeste e construir uma nova autoestrada, em vez de apostar num projeto ferroviário norte-sul dispendioso e incerto, argumentam alguns.
Os Estados do Báltico não têm uma população que justifique linhas de alta velocidade avançadas, nas quais os comboios circulam a mais de 300 km/hora. A Rail Baltica terá uma velocidade máxima de 240 km/h e dependerá do transporte de mercadorias mais lento, para se tornar lucrativa. O último estudo de viabilidade concluiu que o projeto é "viável, em termos gerais", embora, com o tráfego atual, os argumentos económicos não sejam evidentes.
Os partidários do projeto dizem que, por si, a existência da via atrairia mais tráfego. O transporte marítimo no Báltico passará a ser mais caro a partir de 2015, por causa das novas regras sobre emissões de enxofre; a indústria transformadora europeia está a deslocar-se para Leste; a China poderá despachar mais mercadorias para a Europa, por caminho de ferro transcontinental; a fusão dos glaciares poderá abrir a rota marítima do Ártico (as mercadorias asiáticas poderiam ser descarregadas no norte da Finlândia e enviadas para sul por comboio, por ferry e pela Rail Baltica).
Mesmo um projeto de infraestruturas dito "de fronteira" pode ser justificado através do argumento de que impulsiona o crescimento e a competitividade, numa região em crescimento rápido. Por uma questão de justiça, a periferia oriental mais pobre da Europa precisa de uma melhor integração no mercado único. E há ainda a questão da segurança. A Rússia está a travar uma guerra comercial para tentar dissuadir os seus vizinhos, e sobretudo a Ucrânia, de assinarem novos acordos de comércio e de associação com a UE. Uma das vítimas é a Lituânia, que acaba de ver os seus produtos lácteos proibidos pela Rússia, alegadamente por razões sanitárias. As avaliações não podem ignorar a geopolítica. O rugido do urso russo está a tornar-se o mais forte dos argumentos a favor da Rail Baltica.

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