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Deixar a Grécia e depois a Irlanda cair em incumprimento

Os rumores crescentes sobre o incumprimento da Grécia não fizeram os mercados entrar em queda livre: estimularam-nos. Segundo o economista irlandês David McWilliams, esse facto indica que a ansiedade e o nervosismo quanto ao futuro da zona euro são piores do que o incumprimento.

Publicado em 28 Setembro 2011 às 15:22

Reparou em alguma coisa estranha no comportamento dos mercados financeiros, nos últimos dois dias? Na realidade, as bolsas europeias recuperaram perante o rumor de que seria permitido à Grécia um incumprimento "parcial". Pensemos melhor no assunto: afinal, a posição "oficial" da elite política irlandesa e europeia é que qualquer incumprimento, seja em que matéria for e seja por parte de quem for, seria uma tragédia e originaria enormes fugas de capitais e um massacre financeiro colossal.

Se isso é verdade, por que motivo deram os mercados sinais exatamente opostos, nos dois últimos dias? A mais recente flutuação do mercado sugere que, de facto, o incumprimento acalma os ânimos dos investidores. Parece fazer sentido encarar a realidade de que um país como a Grécia não tem dinheiro e não pode, portanto, pagar. Se impedirmos que este processo capitalista básico aconteça (pelo qual os investidores pagam pelos seus erros), causamos o pânico em todo o sistema.

Observemos as perceções de risco do sistema bancário europeu, nas últimas semanas: dispararam em flecha. Curiosamente, no período anterior à crise do Lehman, a perceção de risco aumentou imenso. Depois da falência e queda do Lehman, estabilizou. É importante ver o que aconteceu a seguir à falência do Lehman.

As coisas acalmaram e, mesmo durante as várias crises na Grécia, na Irlanda e em Portugal, no ano passado, havia o entendimento de que as coisas se resolveriam.

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Agora, a ideia de que está em preparação uma crise massiva da dívida na Europa e de que não há liderança capaz de lhe fazer face voltou a fazer disparar este risco entre os bancos.

A única maneira de tal perceção poder diminuir é através do incumprimento da Grécia e, obviamente, dos outros países que não podem pagar. Conforme mostrou a reação dos mercados, se houver incumprimento em relação a dívidas antigas e for criado um fundo que garanta que isso não volta a acontecer, todos nós poderemos olhar para o futuro. É essa a base de todos os procedimentos de falência – os antigos credores que cometeram o erro são censurados e os novos ficam a ganhar.

Mas os políticos não aceitam esta lógica. Porquê? Porque a classe política está preocupada com o seu prestígio e com o modo como o poder da Europa poderá ser encarado, na sequência de um incumprimento da Grécia.

É óbvio que o facto de um país localizado naquela que é, aparentemente, a parte mais rica do mundo entrar em incumprimento dá uma má imagem, a curto prazo. E também não fica bem uma parte do mundo, que, historicamente, tem sido importante e que disputa com os EUA o lugar da melhor das velhas superpotências, incluir no seu círculo interno um país não cumpridor. Trata-se portanto de uma questão de prestígio político.

Ainda que o prestígio seja mau para o orçamento europeu – porque apoiar empréstimos a bancos falidos ou, na verdade, a países falidos é um exemplo acabado de "dinheiro morto" –, parece ser esta a opção preferida por muitos dirigentes políticos.

Mas os mercados preocupam-se com a rendibilidade futura e não com o prestígio. Os mercados financeiros não têm memória. O que os move é a oportunidade de amanhã e não a recriminação pelo que aconteceu ontem.

É por isso que a decisão de um país (como a Irlanda) de pagar todas as dívidas dos seus bancos aumenta o grau de risco do país, em vez de o diminuir. A lição a retirar do comportamento dos mercados financeiros europeus nos últimos dois dias é bastante simples: se o Sr. Noonan [Michael Noonan, ministro das Finanças irlandês] desistisse de pagar a próxima tranche dos detentores de obrigações do Anglo [banco tóxico irlandês], o mercado na Irlanda recuperaria.

É por isso que, de cada vez que pagamos 700 milhões de euros aos detentores de obrigações do Anglo, se trata de dinheiro morto. Esta despesa não aumentará a produtividade futura da Irlanda, como aconteceria se o dinheiro tivesse sido gasto em escolas. De facto, irá atrasar o crescimento da produtividade, porque terá que se pago através de impostos mais altos na próxima geração.

Para salvar a situação, precisamos de uma enorme mudança ao mais alto nível na Europa, e isso exige que enfrentemos o mundo tal como ele é e não como gostaríamos que ele fosse.

A atual geração de dirigentes europeus faz parecer resolutos o marechal alemão Paul von Hindenburg e Neville Chamberlain. Perante a crise, a posição do continente tem sido de negação. Primeiro, foram as hesitações da Comissão Europeia, ao sugerir que tudo iria correr bem. Depois, tivemos Angela Merkel a afirmar que o incumprimento da Grécia não seria permitido. E, agora, temos as fugas de informação, tornadas reais por comentários imprudentes dos norte-americanos, na segunda-feira, segundo as quais no centro da solução para o problema da dívida da Europa estaria o incumprimento parcial da Grécia.

Esperemos que seja permitido aos gregos entrar em incumprimentos nos próximos dias. Então, haveria espaço para a seguinte pergunta lógica: se a Grécia pode não pagar as suas dívidas, porque não poderão fazê-lo também os bancos irlandeses e os titulares de obrigações desses bancos? Isso poupar-nos-ia milhares de milhão de euros. Afinal, o BCE está numa situação difícil na Grécia e nós também estamos numa situação difícil. Aquilo que é bom para os gregos também é bom para os irlandeses.

Visto da Alemanha

Merkel conta as suas tropas antes da votação decisiva

“Os cristãos-democratas diminuem a nota de Merkel”,brinca o Frankfurter Rundschau na véspera da votação sobre o resgate da Grécia, no dia 29 de setembro no Bundestag. A contribuição alemã para o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) passará assim para 211 mil milhões de euros (num total de 440 mil milhões de euros). Tal como o resto da imprensa alemã, o diário de esquerda faz contas à maioria ameaçada de Angela Merkel: 13 deputados do seu partido, a CDU, recusar-se-iam a seguir a chanceler, que seria ameaçada “pelo maior fracasso do seu mandato”. O diário conservador Die Welt conta apenas 11 e o Süddeutsche Zeitung, de centro-esquerda enumera até 18, enquanto conclui que “Merkel pode contar com uma maioria”. A chanceler tem uma maioria de 19 votos no Parlamento.

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