Dói-me aqui!

"Estar pálido", "ter um dia azul" ou ficar "debaixo da coberta" são formas de exprimir a desonestidade, a preguiça ou a ponta de hipocondria que leva muitos trabalhadores a gozar dias de baixa indevidos. O nosso vocabulário para essa prática remete para a literatura francesa e vai até à Grécia Antiga.

Publicado em 2 Outubro 2009 às 16:25

Em Maio passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) subiu o nível de alerta pandémico da gripe suína de cinco para seis. No dia seguinte, o número de ausências ao trabalho relacionadas com a gripe subiu 30%, no Reino Unido. A hipótese de o mundo estar à beira de uma epidemia incentivou alguns a concluir o pior, com base numa simples sensação estranha na garganta.

Quando os italianos faltam a um dia de trabalho, estão a “fare sega” [vão serrar]. Os ingleses, mais literais, ficam em casa, num “duvet day” [o dia do edredão – afinal, o nosso dia de sorna ou de ronha, em clima que dispensa cobertores de penas…]. Para os alemães, trata-se de um “blau machen”, que brinca com a expressão “blau Montag”, do tempo em que os operários alemães vestiam tradicionalmente fatos-macacos azuis e tinham a segunda-feira como dia de folga.

Inventar mentiras elaboradas, em polaco, é considerado “odstawiac szopke" [fazer uma manjedoura de Natal] ou “odstawiac cyrk” [montar a tenda – do circo]. A decisão deliberada de sacar um dia de folga é conhecida em inglês por “pulling a sickie” [armar-se em doente]. Em Espanha, alguém que vem com conversa mole, pode ser acusado de padecer de “cuentitis” [historietite].

Foi na Europa que nasceu a hipocondria. O termo foi inventado por Hipócrates. Os médicos gregos clássicos acreditavam que o baço (órgão mole, à semelhança do fígado e dos intestinos, todos considerados hipocôndrios) era a fonte de várias doenças. Esse órgão humilde arcou com pesadas incriminações. Em polaco, o “sledziennik” [à letra, um “bacista”] é uma pessoa depressiva que se queixa de muitas doenças. Em francês, ter um “spleen baudelairien” é sofrer da melancolia descrita pelo poeta [escreveu quatro poemas sobre a angústia existencial, todos chamados “spleen” – o baço dos ingleses].

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Doentes com muita imaginação

Mais letrado, o polaco identifica um caso de “chory z urojenia” [paciente com alucinações], numa referência literária à comédia de Molière O Doente Imaginário, em que se retrata a situação de um idoso rico que vive convencido de que sofre de diversas doenças, fazendo a felicidade dos médicos, que lhe prescrevem tratamentos caros. O título serve em francês e noutras línguas: por exemplo, os comentadores italianos têm vindo a lastimar os danos causados à economia por “malati immaginari” [doentes imaginários].

Baudelaire e Molière podem ser estimados pelo seu talento criativo, mas as invenções feitas à sua custa no dia a dia são talvez menos estimáveis. Embora sejam verdadeiro objecto de culto...

Naomi O'Leary

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