É preciso fazer alguma coisa pelo crescimento

As eleições de 6 de maio evidenciaram a dramática rutura entre os responsáveis políticos e os cidadãos. Para evitar que a situação degenere, devemos abandonar a obsessão com o rigor e os debates em grupos restritos e reiniciar o programa nos termos de solidariedade e integração que são a marca da Europa, considera uma colunista italiana.

Publicado em 10 Maio 2012 às 14:47

Basta da Europa dos arrogantes, dos dirigentes que só conhecem a lei do mais forte. Basta de uma União que degenerou numa pirâmide feudal, com apenas um grande Estado – o único realmente soberano – à cabeça, e uma infinidade de vassalos e subvassalos às suas ordens. Basta de uma Europa impotente (inconclusiva) nas proclamações: é ultrajante, quando a crise económica provoca danos, a austeridade lhe trava o passo e o emprego rareia.

Nunca, antes do superdomingo [da eleição presidencial em França], tínhamos uma consciência tão brutal do divórcio entre a Europa – e classes dirigentes – e os seus cidadãos. Uma rutura que amadureceu dentro de um projeto comum, que não só está a perder velocidade, mas que acabou a renegar o espírito e a política das origens e persiste em ignorar a realidade: a insatisfação e frustração crescentes e os problemas dos cidadãos. Daí a perda de adesão da parte destes. Ainda não é um plebiscito negativo, mas quase. Hoje, ou a Europa recomeça e volta a ser ela própria, ou mais cedo ou mais tarde morre. A fim de reatar a relação com os seus povos, precisa urgentemente de duas coisas: crescimento económico e definição política.

Oceano de desconfiança mútua

Para começar, necessita de: recuperar a dinâmica democrática a todos os níveis, incluindo o interinstitucional; rejeitar todo e qualquer desvio para "diretórios"; redescobrir a comunidade de direito e a igualdade dos Estados perante a lei, bem como o princípio da unidade na diversidade (e não na uniformidade). Só enveredando por esse caminho se pode esperar uma cura da crise de confiança e da travessia do oceano de desconfiança mútua que envenena hoje a coabitação europeia.

Mas, sem um crescimento económico tangível, que não se limite a declarações, sem novos empregos, sem pontes, sem autoestradas transeuropeias, sem redes digitais e de energia, em suma, sem uma Europa de oportunidades e de esperança a substituir a de rigor e desespero, não sairemos do marasmo.

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Seria ilusório acreditar que a França de François Hollande, que foi eleito por apostar tudo na reativação da economia europeia, possa contornar sozinha a obstinação alemã. Para evitar no resto da Europa uma repetição do pesadelo da Grécia, onde o rigor excessivo rebentou no passado dia 6 de maio o último dos parâmetros da democracia, com uma anormal ascensão de extremistas de todos os quadrantes, Paris precisa de formar uma espécie de santa aliança. Que deve funcionar como um sólido contrapeso ao superpoder da Alemanha, que tem podido agir sem restrições porque não se deparou com uma barreira credível.

Depois de ficar claro que o caminho do crescimento dentro do rigor é estreito mas imperioso para haver um diálogo sério com Angela Merkel e que Hollande parece aceitar este caminho com convicção, o acordo com a Itália de Mario Monti, com a Comissão Europeia de José Manuel Durão Barroso, com a Espanha de Mariano Rajoy, com Portugal, a Grécia, a Bélgica, mas também a Holanda, é apenas uma questão de tempo. A cimeira extraordinária de chefes de Estado e de Governo de 23 de maio pode ser uma oportunidade para testar novas alquimias de poder, bem como receitas concretas para relançar a economia.

Miopia e egoísmos nacionais

A tarefa não é fácil. Porque há muitas ideias sobre a mesa: dos “project bonds” para financiar grandes infraestruturas, ao aumento do capital do Banco Europeu de Investimentos, à reorientação dos fundos estruturais europeus não utilizados ao imposto sobre transações financeiras. E até aos eurobonds, num futuro menos próximo. Ou ainda a introdução da regra de ouro da exclusão dos investimentos no desenvolvimento sustentável do cálculo do défice e a interpretação mais flexível do pacto fiscal, prolongando os termos de consolidação das contas públicas, tornando-o social e economicamente mais aceitável.

Estas são ideias que, de uma forma ou de outra, apelam à solidariedade e à coesão, ou seja, ao espírito europeu que faltou nos últimos dois anos de crise. Ou que só se manifestou tarde de mais, por coação dos mercados, enterrado que estava pela miopia e os egoísmos nacionais dominantes.

O crescimento é essencial, mas, para ser verdadeiramente europeu e sustentável, precisa de algo mais: uma maior integração a todos os níveis; uma reforma do estatuto do Banco Central Europeu, dos seus objetivos e margem de manobra – após dez anos do euro e da globalização das economias e dos mercados. E um modelo de sociedade e de desenvolvimento adaptado aos nossos tempos; além de união política. Sem isso, o euro dificilmente vai sobreviver por muito tempo.

O desafio é gigantesco. Passa por uma contrarrevolução cultural que faça redescobrir a Europa perdida. É possível? Certo é que o relançamento da economia é o primeiro passo para a reconciliação com os cidadãos. Um projeto que destrói o crescimento não pode seduzi-los. O resto virá por arrasto, se os governos reaprenderem a confiar uns nos outros: se todos falarem novamente em pé de igualdade, com respeito mútuo e redescobrirem o valor do interesse comum, num mundo global, onde a Europa está cada vez mais pequenina. E onde precisa de aprender a agir com rapidez.

Opinião

Euro, uma experiência negativa

“Zona euro, a experiência mais negativa de sempre?”, pergunta Peter de Waard, em De Volkskrant. Segundo o cronista económico, as diferenças entre os 17 países que partilham a moeda única são tão grandes que se torna evidente o acumular de problemas na zona euro cada vez mais inextricáveis:

Em 1992, o chanceler alemão Helmut Kohl e o Presidente francês François Mitterrand teriam feito melhor se tivessem jogado ao tiro ao alvo no mapa-mundo, de olhos vendados, para selecionar os países para o projeto euro.

Peter de Waard baseia-se num estudo realizado por economistas do banco JP Morgan que se divertiram a criar uniões monetárias fantasiosas a partir dos dados estatísticos relativos à economia de vários países.

Desse modo, nota Waard, haveria menos diferenças entre “todos os países situados a 5° de latitude norte — um conjunto que englobaria, por exemplo, a Colômbia, os Camarões, o Sudão do Sul, o Suriname, o Brasil, a Venezuela e a Indonésia” — que entre os países da zona euro. O mesmo aconteceria se juntássemos todos os países começados pela letra M (Mali, Madagáscar, Marrocos, Macedónia, México e Mongólia).

São sobretudo as diferenças em termos de produtividade, de sistemas jurídicos, de política de concorrência e de esbanjamento do erário público que tornam tão pouco homogénea a zona euro.

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