Guimarães, cultura para sair da crise

Antiga praça forte da indústria têxtil, a cidade aposta no estatuto de capital europeia da cultura, em 2012, para sair do marasmo em que o desmantelamento das fábricas a deixou, há mais de 20 anos.

Publicado em 25 Janeiro 2012

A crise, as várias crises simultâneas, cercam Guimarães, a bela cidade portuguesa de 50 mil habitantes, sede de município na região do Vale do Ave. Nos anos 1980 e 1990, as imensas fábricas têxteis que se estendiam por este vale foram sendo abandonadas por causa da pujante concorrência chinesa. Desde então, languidescem como velhos dinossauros inúteis.

O próprio centro histórico de Guimarães, muito bem conservado à sombra do velho castelo, está rodeado de fábricas vazias com chaminés de tijolo mortas. Mas os habitantes da cidade decidiram devolver-lhes a vida enchendo-as de quadros e de concertos e de peças de teatro para, assim, sobreviverem eles próprios.

Fábricas reconvertidas em espaços culturais

A Capital Europeia da Cultura, inaugurada no sábado nesta cidade situada a 150 quilómetros de Vigo, prevê a recuperação de muitas destas fábricas como cenários culturais, ecrãs de cinema ou residências para artistas bolseiros. Reinventar-se ou morrer.

A fábrica de Ramada, uma velha indústria de curtumes, fechada há muitos anos, albergará em setembro uma escola de design, mas antes disso servirá como sala de ensaios para a orquestra da organização. A fábrica ASA, que no seu tempo era especialista em colchas e toalhas, situada fora de Guimarães, a meio caminho entre Vizela e Santo Tirso, deixou definitivamente de funcionar em 2006. Agora, graças a um investidor privado, vai transformar-se numa espécie de centro comercial de lojas baratas. Mas, antes, os seus 24 mil metros quadrados servirão para albergar as exposições de pintura.

Newsletter em português

E na fantasmagórica fábrica têxtil do Conde de Vizela, onde no século XIX trabalhavam mais de quatro mil empregados e que até tinha moeda própria, Víctor Erice e outros cineastas como Jean-Luc Godard ou Aki Kaurismäki (o finlandês vive perto de Guimarães) rodaram um filme coletivo. A cidade não está disposta a que o cinema passe por aqui a pretexto de 2012 e depois se vá embora, por isso adquiriu equipamento de produção de filmes para se converter em cidade-destino para os cineastas: “Já temos produções que iam para o Leste da Europa apalavradas para para 2013. O próprio Erice disse que gostaria de vir rodar um filme aqui”, garante o responsável do setor audiovisual de Guimarães 2012, Rodrigo Areias.

Areias diz isto numa outra fábrica de Guimarães, reconvertida - graças ao impulso de um grupo de jovens arquitetos da cidade - no Centro para Assuntos de Arte e Cultura. Cada uma das salas tem uma missão, desde residências para artistas estrangeiros convidados a laboratório audiovisual especializados em robôs animados e jogos de computador que faz as delícias de qualquer louco da informática aplicada ou de qualquer louco simplesmente.

Solidariedade na adversidade

“As pessoas da cidade veem aqui à noite”, diz Areias com um sorriso. Talvez seja este o segredo da cidade: as pessoas desta cidade que, em 2001, foi eleita Património Cultural da Humanidade, vivem a Capital Cultural mais como uma oportunidade do que como uma festa. Para muitos é uma espécie de comboio que talvez não volte a passar por ali. Os organizadores deixam muito claro: “Não queremos que venha a Filarmónica de Berlim, que além disso é muito cara, que toque, muito bem, e depois se vá embora e adeus”, explica um dos porta-vozes da candidatura. “Queremos fazer qualquer coisa que perdure, que sirva para recolocar a cidade e queremos fazê-lo com as pessoas de cá”, acrescenta. Por isso, um dos lemas é: “Eu faço parte”. Há crachás com esta frase presos às lapelas e aos blusões de quase todos os habitantes de Guimarães.

O orçamento é magro (os 110 milhões de euros iniciais passaram, devido à austeridade, a 70 milhões para renovação urbana e 25 para a programação cultural), consequência de um ano em que Portugal joga - literalmente - a sua sorte como Estado solvente, ameaçado pela bancarrota e supervisionado pela troica. Por isso foi preciso puxar pela imaginação.

Um exemplo: a 28 de janeiro o inovador grupo Buraka son Sistema, um dos exemplos da modernidade portuguesa, dará um concerto no Pavilhão Multiusos. Também para esse dia está previsto um programa a que chamaram Mi Casa Es Tu Casa, em que os habitantes do centro histórico da cidade emprestam o seu apartamento, a sua sala, o seu corredor para que grupos musicais dêem recitais. Já há 40 casas dispostas a abrir as suas portas. Os orgulhosos habitantes de Guimarães, pois, respondem. Não é em vão, segundo os historiadores, Portugal nasceu aqui, tal como o seu primeiro rei, Afonso Henriques, que morou no famoso castelo que, com o tempo, foi ganhando o aspeto de velha fábrica abandonada. Não foi por acaso que, no domingo, o programa oficial arrancou com um documentário sobre música portuguesa intitulado, sintomaticamente, Vamos Tocar Todos Juntos para Ouvirmos Melhor.

Austéridade

Capitais europeias da cultura com orçamento limitado

“Nunca uma capital europeia da cultura terá sido organizada com um tão baixo orçamento”, sublinha o Expresso. Os 25 milhões de euros previstos para Guimarães 2012 são coisa pouca, se comparados com os 226 milhões de que gozou o Porto em 2001. Tal fica a dever-se à “situação económica vivida no espaço europeu e (...) às alterações introduzidas ao longo dos últimos anos no conceito de capital europeia da cultura”, explica o semanário lisboeta: adotado em 2007, o modelo atual prevê duas cidades por ano, de média dimensão (Guimarães partilha o título com Maribor, na Eslovénia). Se outrora as cidades aproveitavam para construir equipamentos culturais, hoje domina a ligação com o tecido cultural da região. É por isso que o filósofo português Eduardo Lourenço se interroga “se estas celebrações têm tido efeito, para lá do impacto interno” e se a iniciativa ainda terá sentido, numa altura em que já pouco resta das esperanças europeias que a fizeram nascer.

É uma organização jornalística, uma empresa, uma associação ou uma fundação? Consulte os nossos serviços editoriais e de tradução por medida.

Apoie o jornalismo europeu independente.

A democracia europeia precisa de meios de comunicação social independentes. O Voxeurop precisa de si. Junte-se à nossa comunidade!

Sobre o mesmo tópico