Não toquem na minha casa!

Criticar publicamente os políticos que se recusam a rever a lei sobre as hipotecas: o “escrache”, vindo da Argentina dos militares, é a nova estratégia dos grupos que lutam contra os despejos. Reportagem.

Publicado em 1 Abril 2013 às 11:02

Naquela manhã, no maior segredo, encontram-se na estação de Atocha, em Madrid, à espera das suas “presas”. No local a que muitos deputados chegam, vindos das suas circunscrições, para uma sessão plenária no parlamento. Por volta das sete e meia, equipados com apitos e altifalantes, dezenas de manifestantes concentram-se na área de chegadas do TGV. Cada um deles traz dois cartões, um verde que proclama “Sim, somos capazes” (de parar os despejos imobiliários), e um vermelho que lamenta: “Mas eles não querem” (os políticos).

Por volta das nove horas, os comboios multiplicam-se, provenientes de Valência, Barcelona ou Sevilha. A tensão sobe. “Anulação das dívidas e habitação social para os expulsos”, gritam os militantes. Acabados de chegar, os agentes da polícia improvisam um cordão de segurança e quando um deputado aparece ao longe, alguns agentes correm a protegê-lo e a facilitar-lhe o caminho até à praça de táxis.

Após quatro anos de luta para pôr fim ao drama dos despejos imobiliários – 510 por dia desde o início de 2013 –, a centena de grupos antidespejos (espalhados por todo o país) acaba de pôr em prática uma nova estratégia: o escrache (“revelação”). Esta palavra argentina designa as manifestações de cidadãos que, nos anos de 1990, tinham como objetivo denunciar publicamente – geralmente tinha lugar em frente à casa ou ao local de trabalho – os responsáveis pela repressão militar de 1976 a 1983.

Manter a pressão popular

Nesta Espanha revoltada com o facto de estar a ser posta na rua gente que perdeu o seu emprego (26% da população ativa está desempregada) e que, por isso, deixou de poder pagar os seus empréstimos, o método do escrache veio mesmo a calhar para fustigar os políticos que não estão dispostos a alterar profundamente a legislação em vigor sobre hipotecas. “Ainda estamos em rodagem”, confidencia Guillem, coordenador da ação em Atocha. “Mas vamos aperfeiçoar-nos para cobrirmos de opróbrio os deputados recalcitrantes, indo a casa deles, surpreendendo-os nos restaurantes, nos hotéis. Não os vamos largar.”

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Desde meados de março, os Indignados também ocuparam o hotel Ritz, em Madrid, e organizaram um barulhento acampamento em frente ao apartamento de Barcelona de um deputado conservador. “A nossa estratégia é absurdamente pacífica; não se trata de agredir ou de insultar, mas de manter a pressão popular. Se a nossa voz, apoiada pela grande maioria dos espanhóis, não for ouvida, então, isso quer dizer que não há democracia”, declara Ada Colau, a inspiradora dos grupos antidespejos que recolheram 1,4 milhões de assinaturas em três anos. A 12 de fevereiro, o abaixo-assinado permitiu apresentar na Câmara de Deputados uma iniciativa legislativa popular (ILP) com três pontos: moratória sobre os despejos, anulação retroativa dos atrasos após a perda da casa e criação de um parque de habitação social. O objetivo dos escraches é, precisamente, pressionar os deputados do Partido Popular (PP, conservadores), no Governo com maioria absoluta, e os únicos a oporem-se à ILP.

Concerto de panelas e de palavras de ordem

Desde a semana passada, está em marcha a dinâmica do opróbrio. De surpresa, dezenas de militantes antidespejos seguiram o rasto de vários deputados conservadores, especialmente os altos dirigentes do PP: em frente ao parlamento, por baixo dos seus escritórios e, cada vez mais, à porta das suas casas. Cada vez que um político é vaiado, há um concerto de panelas e de palavras de ordem entoadas através de altifalantes. “Na rua, o povo lembra-lhe o seu dever democrático”, diz Ivan, um dos coordenadores. Mas os políticos visados veem nisto um método inaceitável.

“Esta perseguição contra os políticos é antidemocrática” declarou, na segunda-feira, 25 de março, o primeiro-ministro Mariano Rajoy. O chefe do Governo, que ainda não marcou a data para a votação da ILP, está voltado para a parede. Apesar da pressão popular, recusar atender as súplicas. “Isso faria cair, ainda mais, os créditos hipotecários. Dada a nossa fragilidade financeira, é demasiado arriscado”, justifica o executivo.

Luta dos antidespejos vai continuar

No entanto, as nuvens acumulam-se sobre a cabeça dos Populares: uma sondagem do Instituto Metroscopia revelou, em fevereiro, que 85% dos espanhóis, comovidos com as famílias que vivem acampadas nas ruas, apoiam o combate antidespejos. Os partidos da oposição formam uma frente unida e os juízes alegam objeção de consciência. Desde dezembro, suicidaram-se seis pessoas que estavam prestes a ser postas na rua por oficiais de justiça.

Por outro lado, a 14 de março, o Tribunal Europeu de Justiça deu razão a um queixoso espanhol, alegando que a legislação nacional era “injusta”. Em vigor desde 1909, a lei permite despejos muito rápidos (logo desde o primeiro aviso de incumprimento), impede o proprietário de se defender dos termos – muitas vezes abusivos – do contrato assinado com o banco, e obriga a pessoa despejada a pagar as prestações em atraso com juros proibitivos. “Esta sentença do Tribunal Europeu abre novas perspetivas”, diz o juiz Fernandez Seijo, que esteve na origem da queixa. “Vamos poder bloquear mais facilmente os despejos.”

Pressionado, o Governo de Rajoy anunciou que a nova lei “terá em conta algumas objeções” do Tribunal Europeu. Mas, precisou, “em caso algum será possível a anulação das prestações em atraso”. A luta dos grupos antidespejos, para quem este ponto não é negociável, vai continuar. E os escraches também.

Retrato

O indignado silencioso

A 14 de março, o Tribunal Europeu de Justiça decidiu que “a legislação espanhola é contrária ao direito da União”. Na sentença, explica que a lei “impede o juiz competente de declarar o caráter abusivo de uma cláusula de um empréstimo imobiliário e de suspender o processo de execução hipotecária”.

Para o jornal El Pais, trata-se de uma grande vitória de Dionisio Moreno, o advogado que recorreu ao tribunal. O diário conta como Moreno tratou do caso de Mohamed Aziz, despejado de sua casa em janeiro de 2011.

O advogado queixou-se aos tribunais que a lei nacional é “injusta”. Nessa batalha, “perdi dinheiro mas não o sorriso”, confessou ao diário espanhol.

Foi ao olhar para o anúncio de um banco que Dionisio Moreno teve a ideia de “invocar o direito dos consumidores”, conta El País que o descreve como

o protagonista silencioso do caso que virou de pernas para o ar o sistema espanhol de despejos e que deu esperança a milhares de pessoas que perderam as suas casas – ou estão em vias de perder – porque não conseguiram pagar as suas dívidas aos bancos.

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