Cerimónia de boas vindas à chegada do Airbus ao aeroporto de Chengdu, 23 de Junho, 2009. AFP

O Airbus chinês tem mais do que um Pai

A apresentação, ontem, do único A320 construído fora da Europa marca o início da aeronáutica chinesa, num mercado muito cobiçado pelo Ocidente, que alimenta tensões entre o Reino Unido, a França, e a Alemanha.

Publicado em 24 Junho 2009 às 15:59
Cerimónia de boas vindas à chegada do Airbus ao aeroporto de Chengdu, 23 de Junho, 2009. AFP

Bom tempo, sala cheia e VIPs aos montes: a priori, ontem, estava tudo reunido para garantir o sucesso da inauguração do primeiro Airbus A320 montado na única fábrica do construtor aeronáutico fora da Europa, numa China sonhada como um trampolim para um mercado muito dinâmico, apesar da crise. A companhia aérea Sichuan Airlines utilizará o aparelho para assegurar os voos entre Chengdu, Pequim e Xangai.

Nove meses depois de ter sido criada, a fábrica de Tianjin entregou num hangar, perante 1000 convidados, a sua primeira produção à sociedade de leasing sino-europeia Dragon Aviation. “Estamos a criar um futuro forte para a indústria aeronáutica chinesa e com a indústria aeronáutica chinesa”, dissse o presidente da Airbus, o alemão Thomas Enders. Construída com grande rapidez, em pouco mais de um ano, a fábrica de montagem de Tianjin (115 km a leste de Pequim) foi inaugurada em Setembro de 2008. Uma concessão da EADS – European Aeronautic Defense and Space Company – para garantir uma encomenda recorde de 150 Airbus, assinada por Pequim no final de 2005, e também uma tentativa de “posicionamento estratégico a longo prazo”, garante Enders. A Airbus detém hoje 40% de um mercado chinês que regista um crescimento de dois algarismos, dominado pela Boeing. E visa os 50%.

Sucesso europeu, então? A inauguração do primeiro Airbus “made in China” deu sobretudo azo a um concerto de egos nacionais, em que os europeus deram a impressão de utilizar a tribuna para acertar contas entre si. Assim, o embaixador britânico na China, William Geoffrey Ehrman, fez questão de precisar que “200 aparelhos na China voam já com motores Rolls-Royce”, isso para não ser totalmente eclipsado por Paris e Berlim. Por seu lado, o secretário de Estado alemão Hartmut Schauerte disse “ter orgulho em que o modelo industrial alemão seja reproduzido na China”. Ao que o embaixador de França, Hervé Ladsous – na ausência muito notada de Christine Lagarde, retida no Congresso em Versalhes – respondeu que considerava esta entrega “como um exemplo de cooperação franco-chinesa, bem como de cooperação euro-chinesa”, sem nunca mencionar explicitamente a Alemanha. “Foi a França que conduziu este processo desde o início”, insistiu à margem da cerimónia.

Estas disputas patrióticas testemunham a importância do mercado chinês para um sector deprimido a nível mundial. As companhias aéreas locais, embora retardadas pela disponibilidade e nem sempre boa saúde financeira, continuam a aumentar a sua frota. De acordo com o director da Airbus na China, Laurence Barron, cerca de 3.000 aparelhos de mais de 100 lugares deverão complementar a frota chinesa daqui a vinte anos. Um número que justifica cobiças. E acende tensões no grupo aeronáutico europeu.

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Mas não se imagine que a China se vai contentar em comprar eternamente aviões aos ocidentais. Como noutros sectores tecnológicos (caminhos-de-ferro, energia, telecomunicações, etc.), Pequim está decidida a tornar-se rapidamente produtora de aparelhos civis de classe internacional. Em 2008, as autoridades permitiram a criação da China Commercial Aircraft Company (Comac). Objectivo: entregar, até 2010, o primeiro jacto regional bimotor integralmente fabricado na China, o ARJ21. Com capacidade para 90 passageiros, este jacto não concorre com os grandes produtores. Mas a Comac prevê para daqui a oito anos a saída do seu primeiro avião de grande porte – o C919, em parceria com os conglomerados aéreos chineses Avic I e Avic II. Na medida em que estes conglomerados são também accionistas da fábrica de Tianjin (de que a Airbus controla 51%), a intenção chinesa de aproveitar transferências tecnológicas parece evidente.

Tentativas de espionagem industrial terão sido detectadas pela Airbus em Tianjin. O que não parece preocupar Jean-Luc Charles, o director-geral da fábrica: “Os avanços técnicos não se situam realmente ao nível da cadeia de montagem. O sector da aeronáutica civil exige paciência, é muito difícil de copiar.”

No entanto, surpresa já os chineses criaram, infiltrando-se muito rapidamente em mercados que os ocidentais pensavam ser sua coutada privativa.

Quer então dizer que o mundo voará em chinês a médio prazo? O início da resposta virá dentro de oito anos. Entretanto, a Airbus tem interesse em rechear bem a sua carteira de encomendas na China.

ECONOMIA

A grande China vem aí

A economia chinesa alcançará a norte-americana em 2027; em 2050, será duas vezes maior. É um erro profundo, defende o escritor Martin Jacques no The Times, presumir que uma mudança económica tão monumental possa ter consequências políticas e culturais de pequena monta. A modernidade na China, diz, não será dominada por sistemas de opinião, valores ou adaptações ocidentais. Será, sim, “profundamente moldada pela sua própria história e cultura, muito longas e ricas”. Enquanto para os europeus a entidade primordial na definição das nações é o Estado-nação, os chineses pensam em si, antes de mais, como uma civilização, que requer “uma pluralidade de sistemas”, como o demonstrou a integração “um país, dois sistemas” de Hong-Kong. À medida que se transforma no poder dominante a nível mundial, uma China emergente que produz “uma rápida reconfiguração da região (Ásia)” pode perfeitamente desafiar “o domínio global dessa invenção europeia… de Estados-nação independentes e soberanos”. Isso terá profundo impacto na “maneira como pensamos e vivemos as nossas vidas”. Como o sistema financeiro internacional será transportado para o centro financeiro da China, Xangai, prevê que o mandarim “se tornará uma língua franca, como o inglês”. Os nossos filhos e netos, conclui, “crescerão num mundo cada vez mais estranho para nós, onde a velha tradição ocidental já não pode ser tomada como uma garantia”. Pela primeira vez em mais de duzentos anos, os ocidentais precisarão de se adaptar a outras culturas e encará-las de uma nova forma.

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