Javier Solana e Ali Larijani, numa declaração conjunta em Madrid, em 31 de Maio de 2007. AFP

O Irão e as ilusões da Europa

Ao fim de alguns anos, os 27 privilegiaram a negociação entre o Ocidente e Teerão. Mas o endurecimento do regime iraniano mostra os limites desta atitude, que desmente toda a esperança de uma mudança democrática, e de um entendimento entre duas culturas políticas quase opostas.

Publicado em 26 Junho 2009 às 12:22
Javier Solana e Ali Larijani, numa declaração conjunta em Madrid, em 31 de Maio de 2007. AFP

Entre 2005 e 2008, Javier Solana deslocou-se a Teerão com os vários ministros dos Negócios Estrangeiros de França, Reino Unido e Alemanha para defender os interesses da UE e também dos Estados Unidos. Convenceram Alí Larijani, então negociador do programa nuclear, da necessidade de haver acordos específicos sobre a aspiração iraniana à bomba atómica. Javier Solana teria de conseguir que os Estados Unidos e o OEIA, organismo internacional de energia atómica da ONU, mantivessem relações com o Irão. A Europa, evidentemente, perdeu esta batalha. Mas os atrasos forçaram o governo iraniano a alterar o projecto. Tudo fruto de uma grande diplomacia.

Neste momento, os líderes francês, britânico e alemão, já denunciaram frontalmente as irregularidades das eleições iranianas do passado dia 12 de Junho.Washington não quer entrar nessa condenação frontal. Obama saberá por quê, embora vá pagar caro o seu distanciamento. Ahmadineyad afirma que no Irão existe um equilíbrio. Referiu que ele próprio tem de aceitar o controlo da Assembleia de Peritos, do Conselho dos Guardiães e do Conselho de Pensadores, para além de aceitar as decisões do líder supremo em matéria de defesa. Mas os termos em que o Presidente iraniano fala do Holocausto são próprios de um professor primário de aldeia.

Ontem, registaram-se 18 mortes no Irão.Entretanto, o Conselho Europeu reuniu-se, no passado dia 18, no final da presidência checa. Nesse mesmo dia, ao ser ouvido perante o Senado, o secretário de Estado do Tesouro propunha uma reforma profunda das finanças americanas. Um órgão executivo, composto por si próprio e sete agências federais, exerceria o controlo e trataria dos riscos sistémicos. A SEC, Comissão de Títulos e Câmbios, regularia a emissão de produtos derivados. Todos os fundos de risco deveriam ser registados na SEC, que passaria a exercer funções de supervisão juntamente com a Reserva Federal. Washington e Bruxelas estariam assim de acordo quanto a mecanismos complementares.

O Conselho Europeu reunir-se-ia para desbloquear o Tratado de Lisboa e acordar com a Irlanda o protocolo, anexado ao Tratado, com as concessões feitas aos irlandeses, caso votassem a favor. Contar cinco anos com um Presidente do Conselho e um Ministro dos Negócios Estrangeiros irá contribuir para que a Europa saia da terrível prostração em que se encontra. Hoje, com 27 vozes, a Europa é ingovernável.Giscard, do alto dos seus 80 longos anos, advertiu para o perigo da auto-destruição. Enquanto a Lituânia tiver o mesmo peso da Alemanha, ou a Irlanda anular o voto da França, não haverá solução.Hoje, para além dos Estados Unidos, são os países continentais – Brasil, Rússia, Índia e China – que abrem caminho. Como é possível que uma nação do Báltico, com 1 milhão de habitantes, possa bloquear uma confederação de 500 milhões? O futuro tratado poderá evitar disparates destes.Sabíamos que o alargamento da UE implicava riscos.Sem eles, não se teria consumado.

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O afastamento geográfico entre Bruxelas e Teerão é grande, para cima de 4000 km. O afastamento mental é ainda maior. Os europeus e os norte-americanos começam a estar perante uma situação limite, em cuja origem se encontra uma enorme série de logros. Tentam fazê-lo com procedimentos previamente acordados. Um debate com toda a clareza e verdade é a solução para se superarem as diferenças entre Estados e grupos de interesses. A mensagem iraniana é outra: é a dos disparos das milícias islâmicas contra os manifestantes. O líder supremo pensa que tem 10 milhões de guardas, recrutados ao calha, mal organizados, indisciplinados. Em todo o país, não passam de 500 mil.

O Irão tenta alcançar uma energia nuclear autónoma. Mas, enquanto procuram esse horizonte, as autoridades iranianas mostram os métodos que podem utilizar.A Rússia, a China, o Paquistão e o Irão não pertencem ao grupo das democracias convencionais, como são depreciativamente referidas. Os Estados Unidos, a França, o Reino Unido e a Índia, esses sim, pertencem. É uma diferença.

OPINIÃO

O Ocidente e o fantasma da revolução iraniana

Os jornalistas estão divididos sobre a melhor forma de reagir aos acontecimentos no Irão. David Charter, no The Times, faz um contraste interessante entre a linha dura da Europa e o silêncio da Administração Obama. “Os embaixadores iranianos”, afirma, “foram chamados aos ministérios dos negócios estrangeiros em Paris, Praga, Helsínquia, Haia e Estocolmo para uma reprimenda.” Isto, refere, é contextualizado pela nossa História recente. Memórias da Revolução de Veludo, checa, do aparecimento do Solidariedade, na Polónia, e da Revolução Laranka, na Ucrânia, são “factores que explicam a razão pela qual a UE foi tão rápida e tão oordenada na condenação ao regime iraniano.”

No Guardian, Lionel Beehner critica “os idealistas da imprensa ocidental” que anunciam o colapso iminente do regime iraniano. Os ocidentais, diz Beehner, têm “tendência para catalogar qualquer piquete no estrangeiro como uma nova tomada da Bastilha.” No entanto, a queda de um regime não é assim tão fácil. As previsões de que a junta da Birmânia tinha acabado depois da manifestação dos monges, em 2007, estavam erradas. A chamada Revolução Laranja, na Ucrânia, não passou de “uma remodelação de cargos”.O Ocidente”, conclui, “não devia interferir”. “A bênção da Casa Branca a um golpe ou mudança de regime é sempre o beijo da morte.”

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